Primeiro chefe de Estado estrangeiro a desembarcar em Beirute após as trágicas explosões de terça-feira (4), o presidente francês, Emmanuel Macron, segue agenda política multidimensional. Busca, com ação diplomática de visibilidade, recuperar prestígio no plano doméstico, após derrota nas eleições municipais de junho, e tenta pavimentar o caminho para substituir, como liderança europeia, a alemã Angela Merkel, cuja aposentadoria desponta no horizonte.
Mas a aposta macronista vai ainda mais longe. O presidente francês se esforça para comandar ambicioso projeto de redesenho da geopolítica médio-oriental. Nos últimos anos, o Líbano, ex-colônia francesa, se tornou satélite do Irã, na mais bem-sucedida iniciativa dos aiatolás de expandir influência no Oriente Médio, estratégia implementada desde a Revolução Islâmica de 1979, responsável pela queda da ditadura pró-Ocidente do xá Reza Pahlevi.
No movimento liderado pelos aiatolás, reside a estratégia de “exportar a revolução” e ampliar a influência de Teerã no Oriente Médio, ao conquistar recuos dos arqui-inimigos Estados Unidos, Israel e Arábia Saudita.
O enfrentamento com Estados Unidos e Israel se explica, do ponto de vista ideológico, pela rejeição do regime iraniano ao “modelo democrático e a valores ocidentais”. Com a Arábia Saudita, a rivalidade encontra raízes em questões étnicas, no confronto entre mundos árabe e persa, a origem dos iranianos, e em tradições religiosas, pois os sauditas seguem a vertente sunita do islamismo, enquanto no Irã prevalece a linha xiita.
Baseadas também em teias de interesses políticos e econômicos, contendas seculares ganham contornos distintos na travessia de vários períodos históricos. Os herdeiros do nacionalismo persa, no cenário atual, buscam avançar sobre domínios norte-americanos e sauditas, em batalhas por zonas de influência que se estendem do Iraque ao Líbano, do Iêmen à Síria.
Em 1982, emissários dos aiatolás aterrissaram no Líbano, então em guerra civil e, armados com auxílio financeiro e logístico, ajudaram a criar o Hizbullah, versão libanesa do fundamentalismo emanado por Teerã. O grupo, cerca de três décadas depois, transformou-se na força dominante do país, encaixando-o, do ponto de vista geopolítico, no jogo do Irã.
As ambições expansionistas iranianas desenharam, nos últimos anos, o projeto do “corredor xiita”, arquitetado para agregar à sua área de influência territórios iraquianos e sírios. Se consolidada a iniciativa, o regime teocrático enfileiraria três países vizinhos (Iraque, Síria e Líbano) sob suas asas, construindo um arco de aliados de Teerã até o mar Mediterrâneo.
O ímpeto do Irã tira o sono de seus inimigos. Porém, no começo do ano, o regime teocrático teve de enfrentar a queda vertiginosa da cotação do petróleo, seu principal produto de exportação. Veio, em seguida, a pandemia, com os graves impactos na saúde e na economia.
O Líbano, devido à inépcia de seus últimos governos, já testemunhava em 2019 intenso desastre econômico. Com cofres governamentais vazios e com o principal aliado estrangeiro, o Irã, mergulhado também em crises, restam poucas alternativas à liderança libanesa na busca por auxílio externo.
Macron, na missão em Beirute, oferece ajuda e leva clara mensagem. Busca obter o realinhamento do Líbano com Estados Unidos, França e Arábia Saudita, consequentemente afastando-o do Irã. As consequências da tragédia libanesa da última terça guardam potencial para alterar também contornos geopolíticos do Oriente Médio.
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