Jaime Spitzcovsky

Jornalista, foi correspondente da Folha em Moscou e Pequim.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Jaime Spitzcovsky
Descrição de chapéu China

Hong Kong faz Xi Jinping atacar o fantasma das fronteiras

Separatismo do território desafia o líder chinês na recuperação territorial, prioridade histórica de Pequim

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Com a cassação de quatro parlamentares de Hong Kong acusados de defender a independência da região, o dirigente chinês Xi Jinping ataca um dos principais fantasmas a assombrar seu reinado, o da perda territorial.

Na bússola do nacionalismo a orientar a China, a “recuperação de fronteiras da pátria” tornou-se pedra de toque da cartilha dos mandatários de Zhongnanhai, versão pequinesa da Casa Branca washingtoniana.

Invasões ocorridas sobretudo nos séculos 19 e 20 deixaram rastros de destruição, massacres e privações territoriais. O colonialismo britânico abocanhou Hong Kong em 1842, o militarismo japonês conquistou Taiwan em 1895 e, na Segunda Guerra Mundial, perpetrou atrocidades inomináveis.

O líder do regime chinês, Xi Jinping, participa de evento em Xangai nesta quinta (12)
O líder do regime chinês, Xi Jinping, participa de evento em Xangai nesta quinta (12) - Shen Hong - 12.nov.20./Xinhua

A lista de avanços estrangeiros contra a China abarca outros episódios lamentáveis. Portugueses, franceses e alemães também deixaram digitais em investidas a se aproveitar de momentos de debilidade do “Império do Meio”, como se autodenomina o país mais populoso do planeta (Zhongguo, em chinês).

Ao deslanchar as reformas econômicas em 1978, o comunista Deng Xiaoping trocou o combustível ideológico do partido. Falar em “paraíso proletário”, slogan da era maoísta, perdia sentido com a adoção de mecanismos como propriedade privada, consumo de luxo e investimento estrangeiro.

Na era Deng, o nacionalismo transformou-se em alicerce central do cardápio ideológico. O Partido Comunista abandonou o “sonho vermelho” e abraçou a missão de recuperar, para o país, o status perdido de potência global.

Virou peça-chave desse enredo a reconquista de regiões capturadas por invasores. Em 1984, Deng acertou com o Reino Unido a devolução de Hong Kong, realizada em 1997, e, em seguida, o patriarca negociou com Portugal o retorno de Macau, consumado em 1999.

No mapa da “restauração das fronteiras da pátria”, o PC inclui, com destaque, Taiwan, ilha onde se refugiaram em 1949 os nacionalistas derrotados pelos maoístas na guerra civil. A divisão sobrevive como uma das últimas heranças da Guerra Fria.

“Iremos de forma inabalável promover a reunificação pacífica da pátria-mãe de acordo com o princípio ‘um país, dois sistemas’, garantindo um retorno tranquilo de Macau e eventualmente resolvendo a questão de Taiwan”, discursou, na cerimônia de devolução de Hong Kong, o dirigente chinês Jiang Zemin, a 1º de julho de 1997.

Deng havia morrido em fevereiro daquele ano. Seus sucessores herdaram, portanto, a tarefa de completar a “reunificação histórica”, trazendo solo taiwanês novamente ao controle de Pequim.

Se “falta apenas Taiwan”, o brotar de sentimentos separatistas em Hong Kong significa nova e intolerável ameaça para o projeto territorial dos mandarins de Zhongnanhai. Ao ejetar parlamentares do Conselho Legislativo honconguês, Xi Jinping sinaliza mão de ferro para enfrentar estocadas independentistas.

De quebra, a sinalização também serve para a questão taiwanesa. Auxilia Pequim a aumentar pressão sobre a “ilha rebelde”.

Na escalada de tensões entre EUA e China, o presidente Donald Trump encontrou no crescente apoio a Taiwan um caminho para pressionar Xi Jinping. Importante, no entanto, os estrategistas republicanos e o futuro governo Biden entenderem o alcance do tema territorial para os herdeiros de Deng e não subestimarem a hipótese de a contenda deflagrar um trágico conflito bélico.

A China ameaça invadir Taiwan, caso a ilha abandone formalmente o desejo de uma eventual reunificação. Xi Jinping jamais toleraria entrar para a história como o sucessor de Deng Xiaoping a perder território, em vez de fazer avançar a missão de “restaurar as fronteiras da pátria”.

LINK PRESENTE: Gostou desta coluna? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.