Jaime Spitzcovsky

Jornalista, foi correspondente da Folha em Moscou e Pequim.

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Jaime Spitzcovsky
Descrição de chapéu oriente médio

No Oriente Médio, paz vem antes de democracia

Lista de países que reconhecem Israel passou a incluir Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Sudão e Marrocos

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Nos primórdios da globalização, o jornalista norte-americano Thomas Friedman injetou sanduíches nas relações internacionais. Apontou a suposta inviabilidade de guerras entre países com restaurantes McDonald's, ao usar a invasão de fast food como símbolo da prevalência de lógica econômica, em sociedades com classe média em expansão e com consequente potencial democrático, sobre as opções bélicas, mais afeitas a regimes autoritários.

Lamentavelmente, a tese foi colocada em xeque. A economia de mercado registrou, na era pós-Guerra Fria, maior expansão do que a democracia. Países com classes médias emergentes protagonizaram conflitos sangrentos, como mostrou, em 2008, a guerra entre Rússia e Geórgia. Há outros trágicos exemplos.

A tentativa de Friedman, no entanto, ajuda a colorir um dos debates mais frequentes e intensos da geopolítica, sobre as origens das guerras e suas relações com o processo democrático. O tema reaparece no Oriente Médio, quando Israel e países árabes se envolvem numa avalanche de aproximação diplomática.

O premier de Israel, Benjamin Netanyahu (esq.), e o príncipe saudita Mohammed bin Salman (dir.) se encontraram secretamente no mês passado, numa aproximação entre os dois países do Oriente Médio - Maya Alleruzzo 19.nov.2020 e Bandar al-Jaloud - 22.nov.2020/AFP

Até recentemente, desde a resolução da ONU pela partilha da Palestina, aprovada em 1947, apenas dois países árabes haviam reconhecido Israel: o Egito, em 1979, e a Jordânia, em 1994. Nos últimos meses, a lista passou a incluir Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Sudão e Marrocos.

Em novembro, um encontro secreto, depois vazado à mídia, reuniu na Arábia Saudita o primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, e o príncipe herdeiro, Mohammed bin Salman. Abordaram questões como o inimigo comum Irã e o redesenho estrutural de alianças regionais, reafirmado por um eventual reconhecimento de Israel pela maior monarquia do golfo Pérsico.

Embora a reação global seja maciçamente favorável ao desmonte de contendas médio-orientais, não deixam de aparecer críticas a Israel por negociar com interlocutores sem credenciais democráticas e donos de volumosas listas de graves e trágicas violações de direitos humanos. Coloca-se então uma questão de momento para o Oriente Médio: o que deve vir antes, a democracia ou a paz?

Em 1979, Egito e Israel assinaram os acordos de Camp David. No Cairo, à época, governava Anuar Sadat, herdeiro da tradição ditatorial nasserista e transformado em articulador da paz. Foi assassinado em 1981, por terroristas contrários à pacificação.

Esse capítulo da história egípcia ilustra um embate a ocorrer no país até hoje. De um lado, os militares, com seu regime ditatorial e, de outro, grupos religiosos fundamentalistas.

No final dos anos 1970, Israel não hesitou ao aceitar as iniciativas de Sadat, apesar da natureza antidemocrática do regime egípcio. As guerras israelo-egípcias, entre 1948 e 1973, haviam matado mais de 30 mil pessoas.

Em 2010, irrompeu a Primavera Árabe, onda de manifestações contra os regimes ditatoriais, como o do egípcio Hosni Mubarak, finalmente apeado do poder. Surgiram então esperanças de avanços democráticos na região.

Porém, por uma série de fatores, a Primavera Árabe deixou resultados pífios na implementação de liberdades civis, enquanto os regimes autoritários sobreviventes passaram a adotar uma espécie de lógica chinesa, em busca de crescimento econômico e de geração de empregos, com o objetivo de aplacar demandas políticas.

O desejado fim do conflito árabe-israelense, portanto, não pode esperar pelo desaparecimento de ditaduras no Oriente Médio. De qualquer forma, devem continuar a mobilização e a pressão internacional pelo avanço democrático na região. E, com mais paz, mais chances para as vozes da democracia.​

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