Jaime Spitzcovsky

Jornalista, foi correspondente da Folha em Moscou e Pequim.

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Descrição de chapéu Rússia Ásia

Nacionalismos de Xi e de Putin

Dirigentes chinês e russo promovem atos nacionalistas a sustentar seus projetos políticos

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Com cerca de uma semana de diferença, Vladimir Putin e Xi Jinping comandam cerimônias modeladas pelo nacionalismo a nortear seus projetos políticos. O presidente russo, no último dia 22, lembrou os 80 anos da invasão nazista da União Soviética, enquanto, na próxima quinta-feira (1º​), o dirigente chinês vai celebrar o centenário do Partido Comunista.

Xi e Putin lideram projetos com intersecção, por exemplo, na exaltação de momentos históricos de prestígio de seus países. Uma das diferenças, no entanto, está no horizonte cronológico, mais recente do ponto de vista do Kremlin.

Ao assumir a Presidência, em 2000, Putin carregava clara missão, a acompanhá-lo até hoje: recuperar o poder do Kremlin, erodido pela decadência irrefreável da era Mikhail Gorbatchov (1985-91) e Boris Ieltsin (1992-99).

Vladimir Putin e Xi Jinping descem as escadas ao chegar na cúpula dos Brics em 2019, que aconteceu em Brasília
Vladimir Putin e Xi Jinping descem as escadas ao chegar na cúpula dos Brics em 2019, que aconteceu em Brasília - Ueslei Marcelino - 14.nov.19/Reuters

Sinais de falência da ditadura soviética já apareciam no reinado de Leonid Brejnev (1964-82), conhecido como “zastoi” (estagnação, em russo). Mas evidências vieram na perestroika gorbatchovista, quando a superpotência responsável por enviar o primeiro homem ao espaço, em 1961, mergulhou na sua maior crise econômica desde a Segunda Guerra Mundial.

O comportamento mercurial de Ieltsin agravou as crises política, econômica e social. Moscou amargou a desidratação de seu status global. Putin, liderando setores sobretudo do aparato de segurança (antiga KGB, polícia, Forças Armadas), capturou o poder, estancou o declínio e se apresentou como um czar moderno a recuperar dias de poderio do Kremlin.

Como ingrediente ideológico, Putin recorre ao nacionalismo. Busca evitar debates entre anticomunistas e saudosistas da era soviética. E encontrou na resistência e na vitória sobre o nazismo elementos de unificação nacional, a superar diferenças ideológicas, na luta contra o inimigo externo.

Em calendários anteriores, cerimônias para recordar a Grande Guerra Patriótica, como os russos se referem ao conflito com o hitlerismo, concorriam com datas incensadas pelos soviéticos, como o Primeiro de Maio. Agora, Putin concentra esforços de celebração oficial em momentos relacionados a uma tragédia bélica responsável pela morte de cerca de 27 milhões de soviéticos, entre militares e civis.

Enquanto o nacionalismo de Putin se apoia intensamente na memória da vitória sobre a barbárie nazista, a retórica de Xi Jinping recorre à ideia da recuperação do status de potência perdido pela China nos séculos 19 e 20. É a bússola a orientar as cerimônias do centenário do Partido Comunista chinês, na próxima semana.

Nos tempos do maoísmo, o PC alardeava um suposto “paraíso proletário na Terra”, responsável por resultados trágicos, com ondas de fome, repressão violenta e isolamento internacional. Depois da morte de Mao Tsé-tung, em 1976, o partido, sob a batuta de Deng Xiaoping, abandonou a ortodoxia e adotou o pragmatismo.

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Iniciava-se assim a decolagem chinesa, com a injeção de economia de mercado no universo político ferreamente controlado pelo PC. Os mandarins do partido também reviram a missão histórica da organização: em vez de criar o “paraíso proletário”, recuperar o status de potência à China, frequentemente associado ao gigante asiático antes do século 19.

Nos próximos dias, Xi não vai celebrar conquistas proletárias projetadas na primeira reunião do PC, em 1921. Os fundadores do partido não imaginavam uma obra, cem anos depois, marcada pelo nacionalismo e pela recuperação de um dinamismo econômico e de um status de potência antes desaparecidos do cenário chinês.

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