Jaime Spitzcovsky

Jornalista, foi correspondente da Folha em Moscou e Pequim.

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Descrição de chapéu China Ásia

A nova e desafiadora fase do Partido Comunista Chinês

Em meio a mais controle social, Xi alerta filiados ao partido sobre riscos crescentes

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É possível imaginar o tom solene usado, na quarta-feira (1º), pelo dirigente da China, Xi Jinping, em discurso a alunos da Escola Central do Partido Comunista, templo da formação ideológica dos novos mandarins. “O grande rejuvenescimento da nação chinesa entrou em uma fase fundamental, e os riscos e os desafios que enfrentamos crescem de maneira visível”, discursou.

O pronunciamento de início de semestre, divulgado pela mídia estatal, contribui para a compreensão da ofensiva recente de Xi, arquitetada para aumentar controle partidário sobre setores tão diversos como empresas de tecnologia, instituições de ensino e meios de comunicação. A saraivada responde à principal preocupação do regime: como se manter no poder, pois a sociedade chinesa se torna mais complexa, resultado do aprofundamento de reformas econômicas e da expansão da urbanização e da classe média.

Xi Jinping em discurso a alunos da Escola Central do Partido Comunista - Zhai Jianlan - 1º.set.21/Xinhua

É o chamado “paradoxo chinês”. Depois da meteórica ascensão nos últimos 40 anos, reforça-se na cúpula partidária a percepção da inevitabilidade de manter o crescimento econômico, na estratégia apoiada em avanço tecnológico e aumento da classe média, como Xi deixou claro em fala no congresso do PC Chinês em 2017.

Obviamente, as opções de Xi se baseiam na ideia da manutenção do regime, ou seja, modernizar a China, mas sempre sob a mão de ferro do PC. Evidencia-se então o paradoxo: enquanto reformas inevitáveis redesenham o cenário econômico e social, tornando-o mais complexo e desafiador para o sistema de partido único, apertam-se cada vez mais amarras em busca de controles, com tentáculos da estratégia permeando mundos tão diversos como big techs, currículo escolar e meios de comunicação.

Três fenômenos em especial desafiam os mestres da Escola Central e os estrategistas do PC: expansões de classe média, do ensino —em particular o de nível superior— e da urbanização. Quando a revolução de Mao Tse-tung triunfou, em 1949, menos de 15% dos chineses viviam em cidades. O índice saltou, em 2020, para 64%.

Nos idos da ortodoxia maoista, a mera ideia de classe média representava “visão burguesa e contrarrevolucionária”. Hoje, as estimativas variam, mas não seria exagero falar em cerca de 500 milhões de chineses, num universo de 1,4 bilhão, como integrantes do mundo do consumo. Mais urbanos, mais consumidores e com mais acesso à educação. Divulgado em maio, o último censo revelou aumento, em dez anos, na taxa de adultos a alcançar a universidade: passou de 8,9% para 15,4%.

O redesenho profundo da sociedade chinesa e seus desafios tiram o sono do PC. Seus líderes, embora cientes da inevitabilidade das trepidantes alterações econômicas, suspiram com saudades do cenário social da era maoista, quando controles férreos do regime se implementavam com mais facilidade.

E livros como “O Fenômeno Gorbatchov”, do historiador Moshe Lewin, também acendem sinal de alerta no governo chinês. A obra mostrava, já em 1988, as mudanças estruturais da sociedade soviética implementadas pelo próprio Kremlin e que seriam alguns dos fatores responsáveis pela desintegração da URSS, em 1991. Segundo Lewin, na era Gorbatchov (1985-91), a taxa de urbanização alcançou 65%, enquanto a parcela de adultos com educação universitária mais do que quadruplicou em relação a 1960.

Apesar das diferenças históricas e culturais, a comparação sino-soviética é inevitável. E suficiente para levar Xi Jinping a apertar controles políticos e sociais, enquanto mantém mudanças econômicas. Tudo isso para fugir da sina de Mikhail Gorbatchov.

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