Jaime Spitzcovsky

Jornalista, foi correspondente da Folha em Moscou e Pequim.

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Jaime Spitzcovsky

Há 30 anos, desintegrava-se a União Soviética, personagem central do século 20

Superpotência com vasto território não resistiu às políticas de abertura de Gorbatchov

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"Acabou a União Soviética", bradou a manchete da Folha a 26 de agosto de 1991. Em decisão editorial ousada, o jornal enfileirou naquela edição fatos responsáveis por descaracterizar, de forma irrecuperável, o império comunista criado por Vladimir Lênin.

Símbolo da antiga União Soviética que ficava em uma avenida no centro de Moscou e hoje ocupa um parque histórico na capital russa - Alexander Nenemov/AFP

No entanto, a formalização do ocaso bolchevique veio em dezembro daquele ano, há exatas três décadas, com a ofensiva política de Boris Ieltsin e a renúncia de Mikhail Gorbatchov.

Em 1991, trabalhava eu em Moscou como correspondente da Folha. Ao desembarcar, no ano anterior, sabia da aproximação de momentos históricos, mas, certamente, não imaginava a desintegração da superpotência militar, protagonista da Guerra Fria e personagem central do século 20.



O poderio bélico, exibido em trepidantes desfiles militares na praça Vermelha, e a impressionante vastidão territorial, unindo da fronteira polonesa ao extremo oriente asiático, pareciam cobrir com um manto de longevidade a sucessora do autoritarismo czarista.

Avaliação equivocada. A máquina soviética, capaz de enviar o primeiro homem ao espaço (Iúri Gagárin, em 1961), fracassou na missão de prover algumas das necessidades básicas à população. Chegou a receber, na era Gorbatchov, ajuda humanitária internacional, com alimentos descarregados em pistas de pouso prontas a receber bólidos da poderosa Força Aérea vermelha.

Ao assumir o poder, em 1985, Gorbatchov reconheceu o estado putrefato do sistema e, para salvá-lo e preservar o poder do Partido Comunista, lançou reformas políticas (glasnost, transparência em russo) e econômicas (perestroika, reestruturação). Em breve, perderia o controle do processo mudancista.

A glasnost proporcionou liberdades inauditas, como de expressão e de prática religiosa. Na diplomacia, a busca pelo fim da dispendiosa corrida armamentista com os EUA culminou na eliminação da Guerra Fria. Gorbatchov ganhou, em 1990, o Prêmio Nobel da Paz.

A "gorbimania" ocidental contrastava com a veloz deterioração da popularidade do dirigente no plano doméstico. A perestroika representou retumbante fracasso, com reformas tímidas e sem norte, desaguando na maior crise econômica desde a Segunda Guerra Mundial.

A paisagem moscovita emergia recortada por filas intermináveis, com soviéticos gastando horas à espera de pão ou de leite. Lojas estatais ofereciam prateleiras vazias.

Gestava-se então o binômio crise econômica e separatismo, responsável por abreviar a aventura soviética. Líderes regionais, espalhados pela imensidão continental do país, de Brest a Vladivostok, responsabilizavam o Kremlin pela escassez de produtos e estimulavam sentimentos separatistas, prometendo avanços quando se livrassem do poder central, em Moscou.

Líder da Rússia, a maior das 15 unidades a formar a multiétnica URSS, Boris Ieltsin abandonou o passado comunista, catalisou a insatisfação popular, incentivou o separatismo e se lançou como inimigo número um do sistema soviético e de Mikhail Gorbatchov.

A 8 de dezembro, acompanhado dos líderes da Ucrânia e da Belarus, Ieltsin anunciou não mais reconhecer o poder soviético e decretou o fim da URSS. O mapa-múndi passou a desenhar 15 países onde havia apenas um.

Gorbatchov tentou resistir. Porém, enfraquecido politicamente, renunciou a 25 de dezembro. A bandeira tricolor russa tremulou no Kremlin, no lugar da foice e martelo sobre um fundo vermelho.

Deixei Moscou em 1994, para experimentar a estranha sensação de haver chegado a um país, a União Soviética, e, na saída, despedir-me de outro, a Rússia.

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