Jaime Spitzcovsky

Jornalista, foi correspondente da Folha em Moscou e Pequim.

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Jaime Spitzcovsky
Descrição de chapéu Rússia

Desafios domésticos contrastam com força de China e Rússia no cenário global

Transformações sociais profundas alimentam dúvida sobre longevidade dos projetos de poder de Putin e Xi Jinping

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A trágica guerra da Ucrânia, segundo várias análises geopolíticas, evidencia um momento histórico da era pós-Guerra Fria modelado por perda relativa de poder dos EUA, enquanto se fortalecem Rússia e China. O diagnóstico, porém, precisa embutir um paradoxo: a assertividade crescente de Pequim e de Moscou no cenário global contrasta com avanço de desafios domésticos para os reinados de Vladimir Putin e de Xi Jinping.

São os dois lados de uma mesma moeda: reformas e expansão econômicas permitiram à China e à Rússia, com mais intensidade no caso asiático, a ampliação de seus pesos no mapa internacional, processos acompanhados por transformações domésticas profundas, capazes de alimentar dúvidas sobre a longevidade dos projetos de poder instalados no Kremlin e em Zhongnanhai, sede do governo chinês.

Putin e Xi Jinping de terno lado a lado diante de bandeiras da rússia e da china
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, e o líder da China, Xi Jinping, durante encontro em Pequim, em fevereiro - Li Tao - 4.fev.2022/Xinhua

Tais mudanças se evidenciam, por exemplo, no avanço da urbanização e na expansão de classes médias. Os antecessores de Vladimir Putin e de Xi Jinping, na União Soviética e na China maoísta, reinaram sobre cenários sociais distintos, nos quais se instalavam com mais facilidade regimes de mão pesada.

China e Rússia, em meio às mudanças impostas pela condição de "países emergentes", rótulo usado por descrevê-las no começo do século 21, recorreram ao nacionalismo como combustível ideológico para justificar novos rumos e para abandonar dogmas esmaecidos. Máquinas de propaganda pequinesa e moscovita passaram a despejar a retórica de missões históricas de seus regimes voltadas à "recuperação de glórias do passado".

Acompanha a alteração no cardápio das ideologias, com o resgate de motes nacionalistas, o recrudescimento do autoritarismo dentro das fronteiras russa e chinesa. Enquanto o Kremlin sufoca organizações pró-direitos humanos, como a Memorial, cujo fechamento foi ordenado em dezembro passado, Zhongnanhai aperta o cerco contra ativistas pró-democracia em Hong Kong e reforça controles sobre a internet.

No caso de Xi Jinping, o regime é assombrado pelo binômio "mais tecnologia, mais classe média", reconhecido pelo governo como fórmula inevitável e eficaz para a manutenção do crescimento econômico ao longo do século 21. Mas, a essa equação, somam-se resultados de uma transformação gigantesca, evidenciados, por exemplo, nas cifras de urbanização.

Em meados dos anos 1980, nos primórdios do projeto mudancista do dirigente comunista Deng Xiaoping, cerca de 20% dos chineses viviam em cidades, índice, em 2020, a atingir 64%. Nos tempos iniciais da revolução iniciada em 1949, o PC do maoísmo tinha mais desembaraço para implantar férreos mecanismos de controle social.

Vladimir Putin, há mais de vinte anos no poder, também já verifica sinais de desafios no horizonte doméstico. Por exemplo, o Rússia Unida, partido de sustentação do regime, obteve 50% dos votos no ano passado em eleições parlamentares, contra 54% em 2016.

Pode parecer um margem pequena, mas basta lembrar a desconfiança com que são recebidos números divulgados pelo Kremlin. E, nas contas oficiais, uma participação de apenas 52% dos eleitores, evidente demonstração de indisposição de chancelar o processo de votação modelado pelo governo.

Apoiados na cartilha nacionalista, os regimes russo e chinês projetam cada vez mais assertividade no cenário internacional, mas, junto às demonstrações de autoconfiança, já brotam, atrás das muralhas do Kremlin e de Zhongnanhai, preocupações sobre como enfrentar as mudanças domésticas e se manter no poder, em Moscou ou em Pequim.

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