Jaime Spitzcovsky

Jornalista, foi correspondente da Folha em Moscou e Pequim.

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Jaime Spitzcovsky
Descrição de chapéu Guerra na Ucrânia Rússia

Putin e Biden poderiam aprender com episódios históricos em meio a guerra na Ucrânia

Por décadas, líderes em Washington e Moscou conseguiram manter diálogo, apesar de diferenças ideológicas

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O quarto número 1.120 do hotel Presidente, em Moscou, fervilhava. Uns falavam ao telefone, outros olhavam a tela azulada de um computador. George Gorton, Joe Shumate e Richard Dresner, americanos, haviam desembarcado na Rússia em 1996 com um objetivo: ajudar a campanha presidencial pela reeleição de Boris Ieltsin e evitar a vitória do comunista Guennadi Ziuganov.

A cooperação foi combinada entre Ieltsin e Bill Clinton e resultou numa vitória eleitoral. No entanto, articulações entre a Casa Branca e o Kremlin despontam hoje como impensáveis, no cenário marcado pela trágica invasão da Ucrânia.

Os presidentes da Rússia, Vladimir Putin, e dos EUA, Joe Biden, em encontro na Suíça no ano passado - Saul Loeb - 16.jun.21/AFP

Quando se esfarelaram a Guerra Fria e a URSS, raiou a possibilidade de os países com os dois maiores arsenais nucleares do planeta construírem uma relação minimamente estável e previsível. Trinta anos depois, resta o fracasso no cenário bilateral.

Em 1962, num dos momentos mais tensos da Guerra Fria, John Kennedy e Nikita Khruschev afastaram o espectro da guerra atômica, na crise de mísseis de Cuba, ao acertarem recuos mútuos. Sob pressão americana, o Kremlin retirou armas estacionadas na ilha caribenha, e a Casa Branca ordenou depois o desmonte de material semelhante na Turquia, país aliado a Washington e limítrofe à URSS.

Capítulo dramático da Guerra Fria, a crise dos mísseis de Cuba deixou também como herança o estabelecimento do famoso "telefone vermelho", linha de comunicação direta entre as superpotências, a fim de tornar fluidos contatos e evitar desastres de proporções planetárias.

A renhida disputa por zonas de influência, pilar básico da Guerra Fria, coexistia com esforços para impedir a deterioração do diálogo entre protagonistas daquele momento histórico. Em 1967, por exemplo, o presidente Lyndon Johnson recebeu o premiê soviético Alexei Kosiguin, para justamente dissipar temores de um embate atômico.

Poucas semanas antes, havia ocorrido a Guerra dos Seis Dias, entre Israel e vizinhos árabes, com EUA e URSS apoiando lados opostos no conflito. Porém, as superpotências se mostravam claramente empenhadas em não serem arrastadas para um enfrentamento direto. E a agenda não se limitava ao Oriente Médio, pois em solo vietnamita desenrolava-se um dos mais sangrentos conflitos dos anos 1960 e 1970.

O convescote diplomático Johnson-Kosiguin não produziu "resultados concretos", mas irradiou a mensagem de esforços das superpotências para a manutenção da estabilidade global. Nasceu assim a expressão "espírito de Glassboro", numa referência à localidade americana palco da reunião.

Outros momentos de tensão permearam as relações bilaterais. Em 1979, a URSS invadiu o Afeganistão, aumentando a lista de intervenções militares soviéticas, como as ocorridas, por exemplo, na Hungria, em 1956, e na Tchecoslováquia, em 1968. Os EUA reagiram à invasão de território afegão com sanções econômicas e com o boicote aos Jogos Olímpicos de Moscou, de 1980. Negociações sobre desarmamento nuclear entraram em crise, foram suspensas e retomadas apenas em 1982.



Na década de 1980, Mikhail Gorbatchov, ciente da falência do sistema soviético, injetou novo ânimo nas relações bilaterais e propôs a troca da rivalidade por cooperação. Seus interlocutores, Ronald Reagan e George Bush, diluíram a ortodoxia anticomunista e acenaram positivamente às mudanças vindas do Kremlin.

A história, portanto, oferece diversos momentos de laços entre Moscou e Washington modelados pela busca da estabilidade global, e não definidos apenas por agendas nacionais. Vladimir Putin e Joe Biden poderiam aprender com tais episódios.

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