Jaime Spitzcovsky

Jornalista, foi correspondente da Folha em Moscou e Pequim.

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Descrição de chapéu Rússia União Europeia

Erdogan mostra que Turquia se rendeu aos novos ventos do Oriente Médio

Reaproximação com Israel sinaliza mudança diplomática, com foco na economia e no projeto político do presidente

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Tecnologia, investimento, energia e segurança correspondem a ingredientes responsáveis por tecer tramas inéditas no intricado cenário diplomático do Oriente Médio, a atravessar, nos últimos anos, profundas transformações.

Em mais um capítulo do novo enredo, Turquia e Israel anunciaram na quarta-feira (17) o restabelecimento de plenas relações diplomáticas, com envio de embaixadores, tentativa de resgatar um diálogo abalado desde 2009 pela reorientação da política externa turca.

Em 1949, a Turquia se transformou no primeiro país de maioria muçulmana a reconhecer a independência de Israel, definida pela resolução 181 da ONU. As relações bilaterais atravessaram momento dourado na década de 1990, com cooperação econômica e militar, reflexo de uma política externa turca marcada por parcerias com EUA, adesão à Otan e aspirações de participar da integração europeia.

O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, discursa em cerimônia em estaleiro de Gazipasa - Adem Altan - 9.ago.22/AFP

O presidente turco, Recep Erdogan, no poder há cerca de duas décadas, redesenhou a inserção internacional de seu país. Optou, na mudança, por tentativas de conquistar influência no Oriente Médio, baseado em nacionalismo com apelo religioso e visão nostálgica, numa volta a áreas dominadas, até o começo do século 20, pelo Império Otomano.

As pretensões provocaram reações negativas em potências regionais, como Egito e Arábia Saudita. A Turquia, na ofensiva nacionalista, se afastou do parceiro israelense e preferiu o apoio ao Hamas, grupo palestino a defender a destruição de Israel e a dominar a Faixa de Gaza.

Tropas turcas se embrenharam em conflitos como os da Síria e da Líbia. Também marcaram presença em países como Qatar, Somália e Iraque. O nacionalismo e o autoritarismo de Erdogan causaram fricções importantes nas relações com EUA e países europeus. Desabou sobre a Turquia grave crise econômica, com inflação beirando a casa dos 80% ao ano.

De olho na permanência no poder, com eleições presidenciais no próximo ano, o mandatário resolveu reorientar a bússola. Sinaliza amenizar o nacionalismo, em busca de investimentos para enfrentar o derretimento econômico.

Enquanto Erdogan alimentava a fogueira nacionalista, Israel e ex-inimigos avançavam, pragmaticamente, em iniciativas de paz, conhecidas como Acordos de Abraão. Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Marrocos e Sudão assinaram tratados, com o beneplácito de Egito e Arábia Saudita.

Impensável décadas atrás, a nova ordem médio-oriental enfatiza pilares como segurança e economia. Primeiro, significa a aproximação de países rivais de um Irã com ambição nuclear e preocupados com a diminuição de presença militar, na região, dos aliados EUA.

O outro fator se chama era pós-petróleo. Sauditas e seus vizinhos buscam, em diferentes velocidades, se afastar da dependência petrolífera e estruturar modelos econômicos mais diversificados, apoiados, por exemplo, em inovações tecnológicas. Passaram a enxergar em Israel, em vez de um inimigo, um parceiro.

Erdogan, pressionado pela crise na economia, reviu a cartilha e buscou diluir tensões construídas nos últimos anos com Israel, Egito e Arábia Saudita, a fim de embarcar no redesenho regional. Espera, portanto, atrair investimentos, firmar parcerias comerciais e reforçar a aliança empenhada em se contrapor às ambições iranianas de expandir influência no Oriente Médio.

A Turquia também planeja participar de projetos nas reservas de gás natural encontradas por Israel no Mediterrâneo oriental. Para estender sua permanência no poder, Erdogan decidiu rever o mapa de voo. Rendeu-se aos novos ventos do Oriente Médio.

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