Jairo Marques

Jornalista, especialista em jornalismo social pela PUC-SP. É cadeirante desde a infância.

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Jairo Marques

Conexões e reconexões

A falta de contato humano faz da gente um pouco bicho arredio

Carne em churrasco
Carne em churrasco - Roberto Seba/Folhapress
Jairo Marques
São Paulo

Havia tempos eu não participava de um rotineiro churrasco entre amigos do meu prédio. Cansaço, horários apertados e o desânimo da rotina sempre falaram mais alto que a disposição de sair de casa. Mas antes que 2018 acabasse, levei meu caneco para passear. Foi "maraviwonderful".

Enquanto uma dupla caipira cantava modas das "antigas", os vizinhos se acabavam de rir, de simular danças arrastadas, de se entreolharem com satisfação de um dia bem vivido. Eu, de cantinho, bebericando um chope gelado, saquei o celular e mandei uma mensagem para minha mulher: "Amor, você não tem ideia. Estão todos muito felizes aqui".

No auge do furdúncio, alguém me arrastou para o meio da cantoria e deu um abraço desengonçado, mas caloroso e movido a pensamentos bêbados e de alegria genuína. Fazia meses que eu não me sentia tão bem em meio a pessoas tão distintas do meu círculo comum de encarar o mundo.

De tanto telefone inteligente, tablets e redes cibernéticas, as conexões com a realidade da vida foram se fragilizando ou se perdendo. Para alguns ficou difícil até de reconhecer a vulnerabilidade da criança e de praticar a tolerância. Levanta-se a mão para qualquer coisa, para qualquer um que ouse ultrapassar o que eu determinei como limites.

A falta de contato humano faz da gente um pouco bicho arredio que toma atitudes extremadas diante situações que, no passado, se resolveriam com uma boa conversa, o acolhimento de um argumento novo para realidade que se via como consolidada.

Neste ano que se vai, foram várias as desgraceiras que se aproximaram do dia a dia de quase todos: os suicídios entre os adolescentes e os jovens, as mortes banais pelas ruas, os enfrentamentos atípicos entre pontos de vista, as desavenças pela incompreensão de modos de conduzir o dia a dia.

As bolhas de relacionamentos, muitas vezes intermediadas por meios eletrônicos, estão impedindo, em velocidade que só aumenta, que se tenha mais aberturas para gargalhadas, para amizades insólitas, para a naturalização das trocas entre tipos diversos, sem que isso seja simplesmente um mantra exaltado e cobrado por grupos organizados.

De maneira racional, talvez até programada, vai ser necessário buscar formas de conexão ou de reconexão com o "mundo lá fora" para que não se enlouqueça com as velhas opiniões formadas sobre tudo --sábio Raul-- e reforçadas pelos meios viciados que se frequenta e se confia.

Vale conhecer o bloco das drags no Carnaval e não se negar a tomar um banho de purpurina, reunir os filhos e ver um filme de comédia repetido, mas muito engraçado.

Vale conhecer de perto um aluno cotista da USP e saber de seus propagados méritos, vale programar uma viagem com a sogra e com os cachorros para Caxambu.

Conectar-se ou reconectar-se com alguém, com algum grupo ou com alguma ideia não quer dizer necessariamente aderir, compor, ceder ou abrir mão de algo, mas, sim, dar chance para a renovação da empatia e, com isso, reconhecer que há formas distintas de encarar o cotidiano, de tecer a vida.

Diversos são os aglomerados de pensamentos que estão acuados, com medo de tempos supostamente sombrios diante da prometida onda conservadora, diante tempos que prometem ser austeros para mentalidades "prafrentex".

O impacto do encontro de duas bolhas não precisa ser a explosão, pode ser a formação de um glóbulo maior, mais rico e reluzente, basta um pouco de harmonia do vento, disposição para a alma e ternura de corações. Até 2019!

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