Janio de Freitas

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Licença para envenenar

No Congresso já houve CPI dos agrotóxicos; todos acharam melhor seguir 'o curso normal'

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Avião agrícola pulveriza plantação de banana no município de Miracatu, no Vale do Ribeira (SP)
Avião agrícola pulveriza plantação de banana no município de Miracatu, no Vale do Ribeira (SP) - Lalo de Almeida - 27.nov.10/Folhapress

Jair Bolsonaro está preocupado. Com a banana.

Não a que lhe dão. A que representa uma incógnita nas suas reflexões sobre o que vê como um ataque externo ao Brasil. Em síntese: "Não consigo entender como uma banana do Equador viaja 10 mil quilômetros até a Ceagesp [mercadão paulista] e compete no preço com a banana do Vale do Ribeira" --por coincidência, a do seu sobrinho produtor. A reflexão não alcançou deduzir que produtores e exportadores equatorianos, somados, são menos gananciosos do que o parente bananeiro, tal como os outros produtores na região onde os Bolsonaros têm muitas empresas.

O Brasil vai reagir. Na mesma aparição bananosa em rede social, Bolsonaro prometeu ao sobrinho e amigos "acabar com o fantasma" de bom preço (e melhor qualidade) dos equatorianos. Decidido e rápido, assim é um presidente preocupado com os grandes problemas do país. E da família. A sua, bem entendido. Não faz diferença se a importação do "fantasma" é insignificante, nem R$ 300 mil neste ano. Para o serviço completo, porém, o parente e amigos querem também a garantia da liberdade de pulverização das suas plantações com agrotóxico. Uma prática que distingue o Brasil no mundo.

O Conselho de Pesquisa Científica da ONU denunciou o agrotóxico glifosato, na semana passada, como potencial causador de câncer. A França estabeleceu, há pouco, duras restrições a determinados agrotóxicos. Nos Estados Unidos, além das limitações de uso, está proibida a pulverização aérea. A União Europeia proibiu o uso do agrotóxico atrazina e, já numerosos agrotóxicos com restrições, seguem-se com outros. Todos eles, e muitos outros, por ameaça ao consumidor e envenenamento do meio ambiente. Esses agrotóxicos estão, porém, nos pratos e marmitas do almoço e do jantar brasileiros, no café da manhã e no lanche, em doces e guloseimas. E no ar.

Em apenas dois anos, 2017-18, o governo Temer concedeu 855 novas licenças para produção de agrotóxicos. Recorde absoluto no Brasil e provavelmente no mundo. O número mais alto, desde os 91 do governo Lula em 2005, fora 277, com quatro e meio meses de Dilma e sete e meio de Temer em 2016.

Ninguém há de supor interesse do país, como tantas licenças, em se tornar um caso especial de incidência de câncer e outros males. Logo, nada justifica tamanha aceleração dos licenciamentos durante o governo que teve, com grande influência, especialistas como Geddel Vieira Lima, Moreira Franco e o próprio Temer, entre outros; no Congresso, craques como Eduardo Cunha, neste mínimo de exemplos.

No Congresso já houve CPI sobre agrotóxicos. A Polícia Federal já ciscou por aí várias vezes. Os procuradores da República e procuradores estaduais também estiveram interessados no tema, uma ou outra vez. Todos --com raríssimas exceções individuais-- acharam melhor, como se estivessem lidando com empreiteiras, deixar as coisas seguirem "o curso normal".

Eles continuam achando, elas continuam seguindo. E nós continuamos pagando, que afinal tudo é à nossa custa, e continuamos pegando, seja qual for o mal que o crime da toxicidade ponha em nossos pratos.

No ritmo em que vai, o governo que veio para moralizar ultrapassará a marca de Temer: nos 42 dias úteis de janeiro e fevereiro, concedeu 74 novas licenças de agrotóxicos. Mais de 4 por hora de expediente.

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