João Wainer

Cineasta e fotógrafo, venceu o prêmio Esso de 2013 pela cobertura dos protestos de rua no país e é autor dos documentários "Junho" e "PIXO".

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

João Wainer

O bandido do rap

André do Rap abandonou os palcos para se transformar em um dos bandidos mais procurados do mundo

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Rappers do mundo inteiro já há algum tempo se esforçam para parecer bandidos perigosos e projetar uma imagem sedutora para o consumo de seus fãs. Na maioria dos casos isso passa longe da realidade, mas existe no Brasil uma grande exceção, um MC que foi além das aparências e precisou abandonar os palcos em que desfilava suas rimas para se transformar em um dos bandidos mais procurados do mundo.

André de Oliveira Macedo, o André do Rap, é hoje o chefe da "Sintonia do Tomate", setor do PCC (Primeiro Comando da Capital) responsável pelo tráfico internacional de cocaína, o mais importante e milionário da organização.

É ele quem cuida do envio de toneladas de cocaína do PCC todos os meses para vários portos da Europa, especialmente para a Itália, onde está sua principal aliada, a máfia italiana ´Ndrangheta, que opera na região da Calábria e é considerada atualmente a maior organização criminosa do mundo.

O traficante André do Rap algemado e sentado em uma cama
André de Oliveira Macedo, conhecido como André do Rap, líder do PCC, ao ser detido em Angra dos Reis - Reprodução

Mesmo foragido e tendo como principal fonte de receita o tráfico internacional de drogas, o criminoso tem em seu nome um canal na plataforma de streaming Spotify com toda sua breve obra musical, composta por cinco faixas que fazem parte do álbum "Impacto Total" e que somam cerca de 12 mil visualizações.

André foi preso pela primeira vez por tráfico em 1996 e cumpriu boa parte de sua pena na extinta Casa de Detenção Professor Flamínio Fávero, conhecida como Carandiru, na zona Norte de São Paulo. Havia naquela época uma cena de rap nascendo dentro do presídio. Grupos importantes como 509-E e Detentos do Rap faziam sucesso nas rádios e muitos outros grupos menores tentavam seguir caminho parecido buscando uma saída através da música. Foi ali nas galerias da maior cadeia da América Latina que o traficante compôs suas primeiras letras.

O maior sucesso de sua curta carreira nos palcos talvez seja a música que dá nome ao álbum. Separei aqui alguns trechos da letra que ajudam a entender um pouco mais do estilo e da personalidade de André do Rap.

"Sofrimento, dor e mágoa, um mundo cabuloso
André do Rap, um guerreiro, armado e perigoso
Linha de frente, porta-voz da periferia
Várias toneladas esmagando a covardia"

"Procure se informar, se capacitar
Pra bater de frente com o sistema e abalar
Empresário vai tremer, vaquinha vai correr"

"E aí, loki, tu não me compra
Pro meu rap, não tem pano
Sistema, cheguei, tô no ar
O som linha de frente, dos preto tipo A"

A partir da metade da última década, o PCC começou um movimento importante que mudou completamente a dinâmica do crime na América Latina. Ao invés de apenas comprar a droga na fronteira e revendê-la nos territórios que dominava, a facção controlou a produção de cocaína nos países produtores, eliminou os intermediários que faziam a venda no Paraguai, consolidou a rota terrestre até o Porto de Santos e fez acordos com organizações criminosas da Europa que passaram a comprar a droga no velho continente.

Mas para fazer a cocaína chegar com segurança até lá, era necessário ampliar o domínio dentro do porto. Foi aí que André do Rap virou gente grande na organização. Por ter crescido na Favela Portuária, a poucos quilômetros do Porto de Santos, conhecia como poucos a bandidagem da cidade litorânea. Ao lado dos comparsas Cabelo Duro e Fuminho foi responsável por criar a "Sintonia do Tomate" e através de corrupção e da violência transformar o maior porto da América Latina em território exclusivo do PCC.

Com o apoio de André e seus contatos estratégicos, a organização infiltra agentes nos bares da região portuária, prostitutas, garçons e outras figuras da noite para cooptar marinheiros, funcionários e qualquer interessado em ajudar a botar a droga para dentro dos navios.

Santos hoje é conhecida nos meios policiais e por setores da imprensa como a "Nova Cali" em referência à cidade de Cali, na Colômbia, berço do Cartel de Cali dos irmãos Gilberto e Miguel Rodríguez Orejuela. Os colombianos, ao contrário de seus rivais do Cartel de Medellín, preferiam usar mais a corrupção do que a violência, que era posta em prática apenas em último caso para atingir seus objetivos. O dinheiro que eles despejavam por todos lados dava para eles o status de homens de negócio respeitáveis na sociedade, modelo em que o PCC vem tentando se inspirar para garantir suas operações na cidade litorânea.

Enquanto o nos ultimos anos o PCC sofisticava seus métodos e crescia vertiginosamente na estrutura do crime global, a polícia seguia fazendo operações inúteis nas favelas, expondo os moradores a riscos desnecessários e matando com suas "balas perdidas" jovens e crianças, pretos em sua maioria, em nome de um suposto combate ao tráfico de drogas.

Esse movimento pouco inteligente das forças de segurança acabou fortalecendo o PCC, já que quanto mais gente eles prendem em nome da guerra às drogas, mais soldados são entregues de bandeja para a organização, que já conta com mais de 30 mil membros filiados dentro e fora dos presídios.

Percebendo isso, ainda que tardiamente, nos últimos anos a PF passou a rastrear o dinheiro dos traficantes e obteve resultados significativos em operações como a Rei do Crime, que provocou prejuízos à facção.

Em setembro de 2019, a Polícia Civil encontrou e prendeu André do Rap em uma mansão em Angra dos Reis seguindo a pista de uma lancha avaliada em R$ 6 milhões que estava em nome de uma pessoa sem capacidade fiscal para um bem tão valioso. O criminoso se entregou sem resistir e sua imagem conduzido algemado em seu próprio helicóptero foi repetida à exaustão nos telejornais como um grande símbolo de esperança no combate ao crime organizado.

O que ninguém esperava é que poucos meses depois, em outubro de 2020, o maior traficante do país sairia pela porta da frente da Penitenciária II, em Presidente Venceslau, graças à brecha em uma nova lei que fazia parte do pacote anticrime, criado pelo ex-ministro Sergio Moro e sancionado por Jair Bolsonaro, que dizia que a prisão preventiva deve ser justificada a cada 90 dias, sob risco de se tornar prisão ilegal.

Se foi sorte, astúcia dos advogados ou algum outro método obscuro ninguém sabe, mas houve um atraso nessa justificativa de prisão preventiva e o recurso da defesa caiu bem na mão do ministro do STF Marco Aurélio, conhecido por ser extremamente garantista e que apenas cumpriu a lei.

André se comprometeu a aguardar o julgamento em liberdade em um endereço no Guarujá fornecido por seus advogados, mas nunca apareceu por lá. O criminoso fugiu e assumiu mais uma vez a "Sintonia do Tomate", só que agora com ainda mais poder.

Primeiro porque venceu uma disputa interna do PCC contra seu rival Gegê do Mangue, antigo chefe que foi assassinado no Ceará em uma ação cinematográfica. E segundo, pois o homem forte de Marcola nas ruas, Gilberto Aparecido dos Santos, conhecido como Fuminho, havia sido preso em Moçambique e extraditado para o Brasil pouco tempo antes.

Em liberdade, André do Rap entrou definitivamente para a lista premium dos mais procurados pela DEA (agência antidrogas dos EUA) quando agentes americanos encontraram membros batizados pela facção brasileira em Miami, na Flórida. Forças de segurança do mundo todo como a ROS italiana, a Interpol, a Polícia Federal brasileira entre outras polícias que combatem o crime organizado oferecem um prêmio altíssimo pela cabeça do rapper da Baixada Santista que fez das letras que escrevia sua própria realidade.

Essa história está contada na segunda temporada da série "Primeiro Cartel da Capital" que dirigi para o UOL, e que conta com a apuração de grandes repórteres policiais como Josmar Jozino, Marcelo Godoy, Allan de Abreu, Flávio Costa, Cândido Ruiz e Luís Adorno. Os dois novos episódios vão ao ar gratuitamente nesta terça-feira (27), no UOL.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.