João Wainer

Cineasta e fotógrafo, venceu o prêmio Esso de 2013 pela cobertura dos protestos de rua no país e é autor dos documentários "Junho" e "PIXO".

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João Wainer

O Pudim

Preso por um crime passional, todo mundo o conhecia pela sua maior especialidade na cozinha

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Foi preso por um crime passional. Flagrou a mulher e o amante transando em sua própria cama e matou os dois com uma faca de cozinha. Condenado a mais de 20 anos de cadeia, foi parar direto no Carandiru.

Sempre teve bom comportamento, não dava trabalho para os funcionários e todos os presos do pavilhão 7, onde morava, gostavam dele. Tinha nome, mas ninguém nunca soube qual era. Todo mundo o conhecia mesmo pelo apelido de “Pudim”, devido a sua maior especialidade na cozinha.

Realmente, o pudim de pão que ele fazia era diferente. Derretia na boca, tinha um gosto adocicado que despertava lembranças da infância. Dentro de uma cadeia horrível, aquilo era um manjar dos deuses. Todos os dias depois do almoço aquele doce maravilhoso era disputado a tapa por ladrões, traficantes, homicidas e estelionatários.

Não demorou muito tempo para que os diretores da cadeia descobrissem aquela delícia da culinária que era feita no terceiro andar do pavilhão 7. Em pouco tempo, Pudim foi trabalhar no setor administrativo da cadeia. Fazia a sobremesa para funcionários, policiais, diretores e visitantes. Rapidamente seu prato ganhou fama e virou lenda no sistema penitenciário.

Fôrma de Pudim
Pudim recém-saído do forno - Henrique Peron/Divulgação

Por ter bom comportamento, Pudim gozava de trânsito livre na cadeia e isso foi muito importante quando se envolveu num plano de fuga com outros detentos. Ele conhecia os horários, os caminhos, e foi aprendendo aos poucos os pontos fracos da Detenção. Junto com um grupo de presos, escapou por um túnel e nunca mais foi visto.

Os diretores, funcionários e policiais nem ligaram tanto para a fuga. Ficaram putos mesmo foi de perder o tradicional pudim de depois do almoço. Aquilo foi como um tiro no estômago de cada um deles.

O que a lenda diz é que um ex-carcereiro que havia migrado para a Polícia Civil, alguns anos depois, participou de uma operação em busca de traficantes na fronteira do Brasil com o Paraguai. Passaram dias de campana na mata esperando que os bandidos aparecessem e, depois de muita espera, cansados, sujos e com fome, desistiram e foram até a cidade mais próxima em busca de um lugar para comer. Procuraram a única churrascaria do local e comeram como reis após algum tempo no mato.

Depois da fome saciada, chamaram o garçom e pediram a conta. O garçom, muito simpático, disse que eles não poderiam sair sem experimentar a sobremesa que era a maior especialidade da casa. Foi até a cozinha, voltou com um enorme prato de pudim e serviu a cada um dos policiais na mesa.

Quando sentiu aquele cheiro, o policial já começou a desconfiar. Deu a primeira colherada pra ter certeza. Aquela massa doce desceu tão macia em sua garganta que não restaram dúvidas. Pôs a mão no coldre da pistola e chamou o garçom: “Isso é uma delícia, chame por favor o cozinheiro, pois eu gostaria de cumprimentá-lo por essa maravilha de pudim”.

O cozinheiro veio até o salão preparado para receber os elogios habituais e não esboçou reação ao ver aqueles agentes apontando armas em sua direção. Era ele mesmo, o “Pudim” do Carandiru, que estava foragido e escondido na fronteira com a certeza de que jamais seria encontrado.

Desolado por tanto azar, Pudim voltou para cadeia graças ao que fazia de melhor. Dizem que, depois disso, o pudim de pão que ele cozinhava nunca mais foi o mesmo.

OBS: Ouvi essa história de um funcionário do Carandiru há muitos anos. Não sei dizer se é verdade ou mais uma daquelas lendas do sistema prisional que vão se modificando ao longo dos anos. Se for lenda, espero ter dado a minha contribuição para que ela sobreviva. A verdade sempre foi um conceito bastante subjetivo dentro dos muros daquele presídio.

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