João Pereira Coutinho

Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

João Pereira Coutinho

Agustina Bessa-Luís é um gênio que só acontece raramente na vida de uma língua

Portuguesa é autora de "A Sibila", publicado em 1953

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

A escritora portuguesa Agustina Bessa-Luís no estande de Portugal na Bienal do Livro de São Paulo, em 1998
A escritora portuguesa Agustina Bessa-Luís no estande de Portugal na Bienal do Livro de São Paulo, em 1998 - Eder Chiodetto/Folhapress

Agustina Bessa-Luís escreveu “A Sibila” em 1953. O livro foi publicado no ano seguinte. No meu diário, a 7 de Março de 1992, anotei: “Li a Sibila. Não sei se gostei.”

O plumitivo tinha então 15 anos e a confusão do juízo —no duplo sentido da palavra “juízo”— não apaga o devastador impacto que o romance lhe provocou. Aliás, foi por ser devastador o impacto que a criança não tinha palavras para o avaliar.

Superficialmente, “A Sibila” narra a história de uma família —os Teixeira— e de uma casa —a casa da Vessada, no Portugal rural e nortenho onde Agustina nasceu em 1922 e que eu conheço bem, por via paterna. No centro dessa história, está Joaquina Augusta, ou Quina, filha de Francisco e Maria, e a “sibila” do título.

Mas o romance, que rasgou o manto pesado do neorrealismo luso, é sobretudo a história de uma alma: a alma de Quina, sim, mas também das mulheres daquela família, que só são compreensíveis por contraponto aos homens que as rodeiam.

Na pena de Agustina, os homens são tratados com epítetos diversos. Mas todos eles apontam para o mesmo quadro: eles são rudes, violentos, volúveis, fracos, inúteis, despóticos, egoístas, viciosos, não raras vezes homicidas.

As mulheres, pela força das circunstâncias, são obrigadas a cultivar virtudes estoicas que, em mãos grosseiras, dariam para um panfleto feminista.

Nada mais errado. O sofrimento não nos torna heroicos. Pode, aliás, corromper um caráter. Que o diga a irmã de Quina, “uma luz feita de gelo” porque “ilumina sem aquecer”. O estoicismo dessas mulheres é trágico porque as transforma em estátuas sentimentais, descarnadas, inumanas.

Ou, então, sábias e sobre-humanas. É o caso de Quina: depois de uma doença na juventude, ela ressuscita do leito com uma forma de se expressar “sibilina e delicada”. Para o povo bruto, ela adquire um estatuto profético, quase divino, que a envaidece crescentemente. E que lhe permite recuperar a casa da falência e acumular riquezas invejáveis e invejadas.

Mas tudo isso tem um preço. “Ela adorava os respeitos, mais do que os amores”, escreve Agustina. Essa vertigem narcísica, esse “selo de vaidade”, essa “auto-suficiência grotesca” – no fundo, o destino de qualquer “amante da humanidade” que se ama mais a si próprio do que à humanidade – vai converter-se em dilema quando Quina adota o bastardo Custódio, que cria como um filho.

Quina ama-o, mas não sabe amá-lo – ela não tem, como diria Keats, a gramática sobre “a santidade dos afetos do coração”. E quando surge o momento decisivo em que é obrigada a optar pelo seu amor ou pelo seu papel como guardiã de um passado e de uma tradição, Quina não consegue alterar uma lei imemorial inscrita no sangue e na terra.

Ler Agustina Bessa-Luís, a maior escritora portuguesa de todo o século 20, um gênio que só acontece muito raramente na vida de um país e de uma língua, é mergulhar no seu estilo impetuoso, irônico, aforístico, capaz de revelar uma existência em toda a sua interioridade e contradição.

Amanhã, “A Sibila” encerra com chave de ouro a Coleção Folha Mulheres na Literatura. Invejo os leitores brasileiros que vão ler Agustina pela primeira vez.
 

 

P.S. – Depois de “A Sibila”, aconselho um dos raros livros de Agustina publicados no Brasil. Trata-se de “Breviário do Brasil” (Tinta-da-China Brasil).

  

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.