João Pereira Coutinho

Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.

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Descrição de chapéu

Paz entre judeus e palestinos? Nunca comprei essa fantasia

Depois de escutar Mahmoud Abbas, só confirmei as minhas reservas nesse investimento

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No papel, seria fácil resolver o impasse: dividir o território entre os dois povos, partilhar Jerusalém como capital dos respectivos Estados —e, sobre os refugiados palestinos (tradução: os descendentes dos descendentes dos refugiados originais de 1948 e 1967), a maioria seria recolocada no novo Estado palestino.

Toda a gente conhece esse “roteiro para a paz”. Palestinos inclusos. O motivo pelo qual nunca comprei a fantasia dos “dois Estados” resume-se na palavra “antissemitismo”.

Calma, povo. Concordo que os assentamentos israelenses na Cisjordânia não ajudam à causa. Concordo que Benjamin Netanyahu já não está interessado em negociar com ninguém. Concordo que vários governos israelenses cometeram grandes erros ao longo dos anos —e até podemos discutir se ocupar Gaza e a Cisjordânia depois de 1967 foi a opção estratégica mais inteligente.

Mas ao longo do conflito é impossível não ver o fio de antissemitismo que percorre várias lideranças palestinas. Atenção: não falo do Hamas, um grupo islamita que nunca enganou a plateia e que fez do antissemitismo o seu programa principal. Falo também da secular OLP. O escândalo recente com as declarações de Mahmoud Abbas são apenas mais do mesmo.

Aconteceu na segunda-feira (30), em discurso no conselho nacional palestino. Nas palavras de Abbas, os judeus mortos no Holocausto não foram vítimas do ódio antissemita do Terceiro Reich. Os judeus foram mortos por causa do “comportamento social” dos seus membros, ou seja, pelas suas atividades financeiras ligadas à banca e aos juros.

As palavras, repito, não têm nada de original. Por dois motivos.

Em primeiro lugar, porque elas se limitam a repetir o velho mantra antissemita que olha para os judeus como um corpo parasitário na sociedade, manobrando na sombra para espoliar a riqueza dos gentios.

Abbas repete, no fundo, o que Hitler já tinha escrito no seu “Mein Kampf” contra os “agiotas” da República de Weimar, embora Hitler não se ficasse apenas pela condenação da “usura”: a paranoia rácica também já lá estava e Abbas sabe disso.

Em segundo lugar, as palavras de Abbas, por mais odiosas que sejam, parecem-me menos graves do que as suas afirmações no início de 2018.

Dizia ele em janeiro que os judeus da Europa preferiram a violência e a morte durante a Segunda Guerra Mundial do que a emigração para a Palestina.

​Insinuação de Abbas: foram os líderes sionistas que obrigaram os judeus europeus a “colonizar” a Palestina depois da guerra. Que a Palestina, durante a guerra, estivesse fechada para os judeus (por imposição do chamado “British White Paper” de 1939), eis a verdade histórica que Abbas propositadamente oculta.

Volto ao início: paz entre judeus e palestinos? Nunca comprei essa fantasia. Depois de escutar Mahmoud Abbas, só confirmei as minhas reservas nesse investimento.

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