João Pereira Coutinho

Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.

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João Pereira Coutinho
Descrição de chapéu Copa do Mundo

O futebol dos novos-ricos

Meus compatriotas sofrem de novo-riquismo futebolístico e não querem mais vitórias morais

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Sim, admito: é preferível ser novo-rico a não ser rico. Mas isso não invalida o óbvio: novo-riquismo é deprimente.

Conheço casos: fulano vivia modestamente com o dinheiro do seu trabalho. Certo dia, deu certo nos negócios —ou na política, o que é a mesma coisa— e passou a ostentar a riqueza com uma alegria grosseira, estridente, quase paranoica.

Sem falar do desprezo instintivo que o novo-rico sente pelo velho-pobre. Nesse quesito, a soberba do novo-rico faz lembrar a piada dos amigos judeus que passam junto a uma igreja com um cartaz à porta: “Cinco dólares por conversão”.

Os amigos debatem o assunto. Um deles decide entrar na igreja para fingir a conversão e ganhar o dinheiro.

Passam horas. Quando sai da igreja, o amigo que ficou à espera pergunta, exasperado: “Trouxe os 5 dólares?”

Resposta do outro: “Mas vocês judeus só pensam em dinheiro?”

Lembrei da piada por causa do futebol. Circulo por Lisboa e, nas conversas mais banais, concluo que os meus compatriotas sofrem de novo-riquismo futebolístico.

Houve um tempo, antes da virada do milênio, em que Portugal era especialista em “vitórias morais”. Basicamente, essas “vitórias” eram derrotas que o povo suavizava com a beleza do nosso futebol.

Que interessava perder por 5 x 0 quando, em matéria de dribles, a humanidade nunca tinha visto coisa assim?

Tudo mudou: em poucos anos, as “vitórias morais” viraram vitórias reais. E as virtudes do passado —imaginação, improviso, ousadia— são hoje olhadas com desprezo e embaraço.

A Copa da Rússia é o melhor exemplo: Portugal passou às oitavas depois de um empate com Espanha, uma vitória sobre o Marrocos e novo empate com o Irã. Mas interessante é escutar o paternalismo dos lusos sobre marroquinos e iranianos. “Jogaram muito bem”, dizia um comentador na TV. Para acrescentar: “Pareciam Portugal vinte anos atrás.” Todos riram no estúdio.

Eis o cinismo do novo-rico: “vitórias morais” são coisa de pobre. E o novo-rico detesta pobres. E agora?

Agora, vem o Uruguai, campeão do mundo em 1930 e 1950. No fundo, um velho-rico com história e títulos.

É o adversário ideal para quem sonha com as quartas: o novo-rico respeita e admira os velhos-ricos. Embora pressinta, lá no íntimo, que as glórias passadas não pagam as contas das glórias presentes.

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