João Pereira Coutinho

Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

João Pereira Coutinho

O empoderamento feminino só é uma ameaça para cabeças neandertais

Se há homens que não entendem isso, talvez a palavra homens seja um abuso de linguagem

0
Mariana Ximenes em performance em São Paulo, durante o festival feminista AgoraÉQueSãoElas, em agosto de 2018 - Joel Silva/Folhapress

Jantar de amigos. Uma psicóloga, com ar sapiente, disserta sobre a “crise da masculinidade”. Tese dela: os homens estão em crise. E a crise tem uma explicação: as mulheres.

Ri alto. É óbvio que os homens estão em crise por causa das mulheres, disse eu. Sempre estiveram: a história da humanidade poderia ser resumida às crises que os homens atravessam por razões sentimentais.

Engano meu. A questão não é romântica. É de “autoestima”, essa grotesca palavra que deveria ser abolida do vocabulário comum. Diz a especialista que as mulheres estão hoje presentes em todas as áreas da sociedade. Justiça, medicina, universidades.

E, como se não bastasse, o movimento MeToo assusta os homens e torna-os mais inseguros do ponto de vista sexual. “É difícil ser homem no século 21." E os homens, dominantes ao longo de séculos, têm de encontrar o seu novo papel.

Enquanto isso não acontece, a saúde psíquica dos machos sofre. E, em casos extremos, a agressão contra as mulheres aumenta.

Não é opinião isolada. Regularmente, encontro textos severos sobre essa crise. O New York Review of Books, por exemplo, publicou um texto de Arlie Russell Hochschild em que os números suportam a ciência.

Os rapazes falham mais na escola do que as moças. Sofrem mais de deficit de atenção e são medicados por causa disso. Consomem mais álcool, consomem mais opioides. E, no mundo da criminalidade, não há paridade de gênero.

Respeito os números. Respeito a ciência. Mas há algo de desconfortável na teoria.

 

Ponto prévio: não nego que as mulheres estão mais presentes em áreas acadêmicas ou profissionais em que estavam ausentes. Sou professor. Vejo isso todos os dias e celebro o fato todos os dias também.

Não sei se os meus alunos (homens) sofrem por causa disso. Nunca notei, francamente. Mas que diria eu a um aluno —ou, melhor, a um filho— se ele se viesse lamuriar por haver mais mulheres a disputar a supremacia?

Provavelmente, diria a ele para se portar como um homem. Não no sentido sexual do termo; no sentido cavalheiresco de quem não suporta a autovitimização.

Se existem mais mulheres fazendo doutorados ou cursando medicina, os homens relapsos deveriam aprender alguma coisa com elas: hábitos de trabalho; seriedade acadêmica; comprometimento profissional.

A crise da autoestima masculina faz lembrar as birras das crianças quando não têm um brinquedo fácil. Não tolero isso em crianças. Por que motivo deveria tolerar em homens adultos?

De resto, a afirmação implícita de que os homens agridem mulheres porque se sentem “inseguros” soa a justificativa repugnante. Um homem que agride uma mulher é um criminoso, não uma “vítima” da emancipação feminina. Isso é tão absurdo como afirmar que Hannibal Lecter optou pelo canibalismo quando a McDonald’s conquistou o mundo.

Admito que o empoderamento feminino constitui uma ameaça para cabeças neandertais. Mas quem precisa dessas cabeças? E quem sente compaixão, genuína compaixão, pelo pessoal que vive nas cavernas?

Em rigor, um pai não deve educar um filho para um mundo “dominado” por mulheres. Deve simplesmente educar a descendência para um mundo partilhado por iguais.

Se há homens que não entendem isso, talvez a palavra “homens” seja um abuso de linguagem.

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.