João Pereira Coutinho

Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.

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João Pereira Coutinho
Descrição de chapéu

Desconstruindo Woody

Nem todos participaram da inquisição ao diretor; por defendê-lo, Scarlett Johansson pagou um preço elevado

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Foi em 2017 que me despedi de Woody Allen sem saber. Explico melhor. Sempre que o outono chegava na Europa, havia uma certeza que me confortava: um novo filme de Woody Allen estaria nas salas.
 
Fazia sentido. Woody Allen sempre foi um diretor outonal —no humor, nos humores, até nos amores— e não havia forma mais perfeita de entrar sintonizado com os ritmos da estação.
 
Era assim desde 1988, quando assisti, adolescente, ao primeiro Woody da minha vida: “Hannah e Suas Irmãs”. De 1988 até 2017, com “Roda Gigante”, nunca faltei ao encontro.
 
Faltou ele. Ou, melhor dizendo, faltou a Amazon, que resolveu jogar o seu “Um Dia de Chuva em Nova York” para as masmorras. Sim, eu sei: parece que o filme, finalmente, verá a luz do dia. Mas a tradição foi quebrada.
 
As razões são conhecidas. A Amazon afirmou que não tolerava as declarações de Woody Allen sobre o #MeToo (“Eu deveria ser o garoto-propaganda do movimento”, disse ele, que nunca teve uma atriz a acusá-lo de conduta imprópria).

 
Mas todos sabemos que a razão principal do boicote dá pelo nome de Dylan Farrow, sua filha, que acusa Woody de abuso sexual quando ela tinha 7 anos. Com o #MeToo, essa história antiga, que nunca foi provada em tribunal, voltou às primeiras páginas para liquidar Woody Allen.
 
Felizmente, nem toda a gente participou na inquisição. E Scarlett Johansson, confrontada com o caso pelo “Hollywood Reporter”, respondeu agora: “Eu amo o Woody e acredito nele.”
 
Mais: ao contrário de outros atores que mostraram arrependimento por trabalhar com Woody Allen, Scarlett Johansson voltaria a repetir a dose. O que se entende: em “Match Point”, “Scoop” e “Vicky Cristina Barcelona”, a atriz americana tem três interpretações de gênio.
 
Fatalmente, as palavras de Scarlett Johansson foram recebidas em fúria pelas matilhas das redes sociais. E não é de excluir que a sua defesa de Woody Allen tenha um preço elevado: a não indicação ao Oscar pelo mais recente papel em “Marriage Story”, de Noah Baumbach. Se Roma não pagava a traidores, Hollywood sempre gostou de perseguir os seus hereges. Contra a lei, contra a justiça, contra a simples existência de um estado de direito democrático.
 
Só espero que, um dia, a história possa olhar para este episódio e corar de vergonha pelo ostracismo a que votou um dos maiores criadores do cinema americano. Da mesma forma que coramos de vergonha quando lembramos as perseguições do Macarthismo ou os julgamentos das bruxas de Salem.
 
Com sorte, ainda teremos um filme a respeito.

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