João Pereira Coutinho

Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.

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João Pereira Coutinho

Comendo a vovozinha

Se os animais têm direitos e se as plantas vão pelo mesmo caminho, o que restará nos nossos pratos?

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Meu pai cursou direito na Universidade de Coimbra e gostava de contar uma história. Ele, jovem estudante, almoçando na cantina. Um filé de vaca. Perante a qualidade deplorável do produto, chamou o empregado e disparou: “Isso aqui não presta!”
 
O empregado, surpreso e ligeiramente ofendido com o comentário, respondeu: “Que é isso, doutor? Um colega do senhor acabou de me dizer que o filé está simplesmente asqueroso.”
 
É uma boa piada sobre a ignorância atrevida. Não sei se verdadeira, mas que interessa? Hoje, seria impossível ter essa experiência. A vetusta universidade decidiu banir a carne de vaca dos seus cardápios.
 
Motivo ambiental, não gastronômico: se as vacas, com os seus gases, contribuem fortemente para o efeito estufa, o melhor é acabar com elas. E comer o que?

 

 
Bom, por enquanto, imagino que restem outras carnes e algum peixe. Mas não é de excluir que, a prazo, qualquer animal conheça o mesmo destino que as vacas. Por razões ambientais, talvez, ou simplesmente porque os animais têm “direitos”.
 
Os pobres estudantes estarão condenados a uma dieta vegetariana, ou então vegana, porque as plantas, ao contrário dos animais, não são dotadas de senciência. Ou são?
 
O jornalista Cody Delistraty escreveu um ensaio para a “The Paris Review” que não me deixa tranquilo. Sobre a “inteligência das plantas”.
 
Informa Delistraty que Darwin, em 1880, já tinha alertado para o fato: elas são capazes de reagir à vibração, ao toque, à umidade, à temperatura.
 
Mas a ciência, nos últimos anos, tem ido mais longe: as plantas são capazes de aprender, de recordar e de reagir de formas distintas quando percepcionam (será esse o verbo?) ameaças distintas.
 
Um exemplo: quando um dos ramos é quebrado, a planta inicia um processo de restauração. Quando, pelo contrário, um animal se aproxima para comê-lo, inicia-se um processo de defesa (venenosa).
 
A conclusão de Delistraty é que não podemos olhar para o ambiente, e em particular para o reino vegetal, como radicalmente separado de nós. E se por acaso pensamos que as plantas não têm “inteligência”, é preciso definir primeiro o que é inteligência. Será apenas ter cérebro e neurônios lá dentro?
 
Ou inteligência também abarca outras formas de “domínio não cerebral” (“mindless mastery”, para usar a extravagante linguagem do professor Anthony Trewavas, da Universidade de Edimburgo, citado no texto) que devemos aprender a respeitar?
 
Confesso que todas essas questões ultrapassam a minha humilde cabeça. Um ponto, porém, merece reflexão: se os animais têm direitos e se as plantas, igualmente dotadas de uma inteligência qualquer, podem ir pelo mesmo caminho, o que restará nos nossos pratos?
 
Não pretendo assustar ninguém. Mas sem carne, sem peixe e sem saladas, resta o canibalismo como última solução.
 
Se virmos bem, é ecologicamente sustentável, porque não será necessário a exploração e a reprodução de outras espécies; é legalmente pacífico, desde que sigamos o conselho de Montaigne de só comer os mortos; e, segundo os últimos estudos, parece que a carne vermelha, afinal, não é o problema que se imaginava para a saúde (dos vivos).
 
Quem diria? Sim, quem diria que comer a vovozinha não seria um privilégio do Lobo Mau?

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