João Pereira Coutinho

Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.

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Na ânsia de aterrorizar, catastrofismo ambiental gera apatia e bocejo

Conservar o planeta é um trabalho de amor, e não de ódio à raça humana

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Imagine o leitor que a humanidade só tem 24 horas antes da extinção. O que fazer?

Bom, cada um sabe de si. No meu caso, desconfio que passaria o dia de pijama, na companhia da família e dos amigos, esvaziando a minha garrafeira.

Nunca acreditei naquelas proclamações desesperadas, ou heroicas, em que os seres humanos condenados se entregam a atividades radicais e impensáveis —escalar montanhas, pular de paraquedas, caçar leões ou elefantes. Com 24 horas para viver, o mais provável era não fazer nada.

Agora imagine o leitor que as 24 horas se convertiam em cem segundos. Menos de dois minutos. Como aproveitá-los?

Uma vez mais, cada um é senhor do seu destino. Mas eu desconfio que passaria esse tempo a rir à gargalhada, ou a chorar à gargalhada.

Um erro, avisam os ativistas. Existe um relógio, criado em 1947, que dá pelo nome de Relógio do Juízo Final. E, segundo o bicho, faltam cem segundos para a festa terminar. Motivos?

Ilustração de homem remando em barquinho; no seu entorno, mancha pretas e vermelhas
Ilustração de Angelo Abu para coluna de João Pereira Coutinho de 28.jan.2020. - Angelo Abu/Folhapress

Sim, um confronto nuclear continua a assombrar o planeta. Mas as mudanças climáticas e os avanços tecnológicos perigosos também aproximaram os ponteiros do abismo.

Na cabeça dos ativistas, esse relógio apocalíptico é um estímulo para mudarmos de vida, renunciando à economia carbonizada. Só temos cem segundos. Vamos ao trabalho?

Não, pessoal, não vamos. Para começar, um Relógio do Juízo Final, pelas suas características circenses, não convida à ação. Exceto para pessoas que confundem o universo Marvel com a vida humana comum, vestindo capa e collants de super-herói para salvar as calotas polares.

Mas o anedótico relógio revela um dos principais problemas do catastrofismo ambiental: na ânsia de aterrorizar as almas, apenas gera apatia e bocejo.

O filósofo Pascal Bruckner escreveu há uns anos um dos melhores livros sobre o assunto. Intitula-se “Le Fanatisme de l’Apocalypse” (o fanatismo do apocalipse) e a primeira observação de Bruckner procura comparar o catastrofismo ecológico com a pornografia.

Atenção: Bruckner não nega que existem problemas ambientais. E também não nega que cabe aos homens, pelo seu engenho e pela sua arte, cuidar dos ecossistemas.

O problema é que o catastrofismo tende a anestesiar os homens, da mesma forma que um excesso de pornografia acaba por matar a libido. “A ecologia do desastre”, escreve Bruckner, “é um desastre para a ecologia”. Touché!

De fato, quando o cenário é dantesco, surreal, praticamente inultrapassável, qualquer pessoa boceja e murmura: “Foi bom enquanto durou”.

Mas a pornografia da catástrofe não inspira apenas passividade absoluta. Também desperta repugnância absoluta. Para Bruckner, esse é o segundo grande paradoxo do fanatismo do apocalipse: ele procura recrutar para a luta ambiental os mesmos personagens que humilhou sem piedade.

Basta escutar um fanático qualquer. Para ele, os seres humanos são o câncer do planeta. Somos mesquinhos, egoístas, predadores, animalescos, “ecocidas”, monstruosos, repugnantes.

Mas depois, com impecável esquizofrenia, o fanático espera que os mesquinhos, os egoístas, os predadores, os animalescos, os “ecocidas”, os monstruosos e os repugnantes sejam os obreiros da salvação planetária.

Isso não é apenas uma contradição nos termos (logicamente, um monstro não é um anjo). É não entender a cabeça humana: eu não vou colaborar com aqueles que nutrem uma tão grande repugnância por mim.

Pelo contrário, o mais provável é eu redobrar os meus vícios. Falo por experiência própria: sempre que vejo Greta Thunberg a pontificar na televisão, com dedo levantado e olhar fulminante sobre a raça humana (de que ela, obviamente, não faz parte), a minha vontade imediata é vandalizar ainda mais o planeta, não conservá-lo.

O mesmo acontece com as pantomimas do Extinction Rebellion: por cada manifestação do grupo, desconfio que as emissões de CO2 aumentam em todo mundo como resposta.

Porque conservar, esse verbo que tanto estimo, é um trabalho de amor, não de ódio à raça humana. E esse trabalho só acontece quando existe equilíbrio e proporção: no tamanho do desafio e nas virtudes dos seres humanos para o enfrentar.

Se isso está ausente da pornografia ambientalista, não vale a pena mexer um dedo. Exceto para esvaziar a garrafeira.

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