João Pereira Coutinho

Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

João Pereira Coutinho

Hong Kong é prova de que a ideologia ainda é o grande motor da história

Situação atual é a conclusão lógica de um processo de captura ditatorial acelerado no início do milênio

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Bye bye, Hong Kong. Exagero? Veremos. Depois da aprovação da nova lei da segurança pelo Congresso da China, parece que Pequim conseguiu o que procurava desde, pelo menos, 2003: criminalizar atividades de separação, subversão ou terrorismo no território, entre outras proezas. O que significam esses crimes?

Tudo e o seu contrário. Podem abarcar terrorismo puro e duro –ou, então, estudantes protestando nas ruas e exigindo mais democracia na eleição do legislativo.

Ninguém sabe como vai acabar esse filme. Ninguém sabe, por exemplo, se Taiwan não será a próxima vítima. Mas é justo reconhecer que Mike Pompeo, o secretário de Estado americano, limitou-se a constatar o óbvio: a autonomia de Hong Kong parece ter chegado ao fim. Poderia ter sido de outra forma?

Não, não podia. Essa, pelo menos, é a resposta de Jeffrey Wasserstrom, historiador da Universidade da Califórnia, em livro breve e luminoso sobre a tragédia política dos honcongueses: “Vigil: Hong Kong on the Brink”.

Um ponto de Wasserstrom merece atenção: em 1984, quando a premiê britânica Margaret Thatcher iniciou o processo de devolução de Hong Kong à China, a “dama de ferro” acreditava que era possível “um país, dois sistemas”. O raciocínio era puramente económico: Deng Xiaoping não era Mao Tse-Tung. Era um reformista, um pragmático, quase um “liberal”.

E um “liberal” não está interessado em matar a sua galinha dos ovos de ouro: Hong Kong poderia desfrutar das suas liberdades –de expressão, associação, judiciário independente etc.– desde que continuasse a ser uma das maiores praças financeiras do mundo. Acima do partidão estava o cifrão.

Mais ainda: quando a transferência de soberania acontece, em 1997, os otimistas acreditavam que o binômio “um país, dois sistemas” era assaz promissor para lidar com o dossiê de Taiwan.

Entendo essas ilusões. O Muro de Berlim tinha caído em 1989, apesar do massacre de Tiananmen alguns meses antes. E, na euforia do “fim da história”, o pensamento liberal acreditava que o mundo inteiro vivia um período pós-ideológico. Quem queria saber de Marx?

Azar: se os liberais tivessem estudado história, relembra Wasserstrom, veriam que já tinha existido um Hong Kong no passado. O nome era Xangai e a vitalidade econômica da cidade não escapou à ideologia do Partido Comunista Chinês em 1949. Acima do cifrão, no fim das contas, estava o partidão. (A reconstrução do cifrão, em Xangai, veio depois da consolidação ideológica.)

Além disso, será preciso lembrar que a fantasia de “um país, dois sistemas” foi precisamente aquilo que Pequim prometeu ao Tibete em 1950, ainda que por outras palavras? Deu no que deu.

O que se passa agora em Hong Kong é a conclusão lógica de um processo de captura ditatorial que se acelerou no início do milênio.

Em 2003, Pequim tentou aprovar a primeira lei para criminalizar atos de sedição. Em 2010, tentou subverter o currículo escolar com a propaganda comunista da praxe. Em 2019, tentou implementar uma lei de extradição capaz de enviar para a China continental todos os “criminosos políticos”.

Em 2020, quando o mundo está ocupado e preocupado com um famoso vírus, o golpe que faltava. Mesmo que isso represente, no curto e médio prazo, um prejuízo econômico para o regime.

É tudo uma questão de preço?

Não, não é. A ideologia, ao contrário do que pensam os ingênuos tecnocratas, ainda é o grande motor da história.

LINK PRESENTE: Gostou desta coluna? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.