João Pereira Coutinho

Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.

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Mesmo contraindo coronavírus, Bolsonaro permanece o mesmo

Experiência da doença pode ter efeitos benignos para sociedades e estadistas

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O corona apareceu e a racionalidade desapareceu. Falo da racionalidade de políticos que transformaram uma emergência sanitária em campo de batalha. Temer o vírus era de esquerda. Zombar do vírus era de direita. E milhares de pessoas foram morrendo pelo caminho, indiferentes à loucura geral.

Mais: essa foi a primeira vez na história humana em que até um medicamento foi contaminado pela ideologia. Amar a cloroquina era de direita. Renunciar ao fármaco era de esquerda. Se houvesse dúvidas sobre a doença mental (e espiritual) que a paixão ideológica provoca nas pessoas, o corona seria a prova definitiva.

Perante isso, será surpresa para alguém que a infecção do presidente Bolsonaro também possa ser interpretada pelas lentes da política?

Façamos um exercício: o que significará a recuperação completa de Bolsonaro? E o que implicará, noc noc noc, um desenlace fatal?

Do jeito que as coisas estão, uma recuperação completa será vista como um grande triunfo. Bolsonaro sempre avisou que o bicho era uma “gripezinha”. Se sair intacto, não é de excluir que o presidente aconselhe a experiência, como os cavalheiros vitorianos aconselhavam duches frios logo pela manhã.

E a cloroquina? Oh, Deus, nem quero pensar: será vendida por aí como se fosse uma vitamina salvífica. Haverá barrinhas de cloroquina, manteiga de cloroquina, até flocos de cloroquina para um revigorante café da manhã.

E se o desenlace for fatal?

Será a derrota política de Bolsonaro. Afinal, dirão os últimos otários, esse vírus é coisa séria, não a “gripezinha” de que falam.

Ponto prévio: desejo melhoras rápidas ao presidente, talvez por ter mais respeito pela vida humana do que ele.

Mas às vezes penso como a experiência da doença pode ter efeitos benignos para uma sociedade ou para um estadista. Basta pensar no premiê britânico Boris Johnson: no início, ele era um “joker”, rindo do vírus e flertando com o sinistro “exemplo sueco”, que manteve a economia aberta e confiou no bom senso do pessoal.

Até adoecer, precisar de internamento, passar pelos cuidados intensivos e sobreviver. Hoje, olhamos para Boris e, como dizem os portugueses, é como da água para o vinho tinto. Ou, no caso dele, do vinho tinto para a água.

Desde que teve alta do Hospital St. Thomas, Boris tem sido cauteloso na abertura da economia (para desespero dos conservadores); tem sido um entusiasta comprometido com o serviço nacional de saúde; e, em gesto que já me parece excessivo, quer ver todo mundo fazendo exercício porque a obesidade, no caso dele, foi o principal fator de risco.

Por outras palavras: a experiência da doença melhorou o carácter de Boris. Será que isso poderia acontecer com Bolsonaro, se o quadro clínico se agravasse?

Duvido. Boris é feito de outro material, razão pela qual nunca comprei a trilogia Trump-Bolsonaro-Johnson. Aprender com a adversidade não é para qualquer um. Como dizia o poeta Ovídio, que Boris deve ter lido na universidade, “se paciente e resistente; um dia esta dor ser-te-á útil”.

Paradoxalmente, é também por isso que desejo apenas uma “gripezinha” a Bolsonaro. As lições da doença, no caso dele, seriam um desperdício.

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