João Pereira Coutinho

Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.

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João Pereira Coutinho

Livros mais vendidos no Brasil mostram um país em sobressalto

Basta olhar para o topo de vendas das obras de ficção para entender que há algo de errado no ar

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Dizem que a melhor forma de conhecer um autor é olhar para os títulos da sua biblioteca. Será verdade? E será que o mesmo pensamento pode ser aplicado a uma nação inteira?

Sobre a primeira pergunta, digo que sim, sem hesitar: os alicerces de qualquer escrita estão sempre na leitura. Razão pela qual é possível avaliar uma obra pelo diálogo que ela estabelece com as obras que a precederam.

Sobre a segunda pergunta, temo seriamente pela cabeça dos brasileiros.

Não sou psiquiatra; nem sequer curandeiro. Mas basta olhar para o topo de vendas dos livros de ficção para entender que há algo de errado no ar. Quer saber os títulos, segundo a revista Veja?

A Revolução dos Bichos”, “1984”, “Admirável Mundo Novo”, “Fahrenheit 451”, “O Conto da Aia”.

Se eu fosse um cínico, diria que só faltam as novelas de H. G. Wells e o “Nós”, do sempre esquecido Yevgeny Zamyatin, para que o país se converta numa gigantesca distopia literária. Como explicar esse interesse avassalador pelo gênero?

Quando recuamos ao século 20, a profusão de literatura distópica se explica pelo fracasso das utopias ideológicas. A humanidade, que prometera tanto na sua busca de salvação terrena, apenas produzira guerras destrutivas, regimes abomináveis e genocídios em larga escala.

A distopia, em resumo, era o retrato das esperanças atraiçoadas. Mas não só: nos textos de Zamyatin ou de Orwell, os leitores procuravam também lições de aviso para não repetirem o triste caminho dos antepassados.

É provável que esses dois sentimentos estejam presentes em muitos brasileiros. Por um lado, o desânimo de quem esperava mais do presente; por outro, uma mistura de medo e desconfiança face ao futuro. Em qualquer dos casos, um país em sobressalto. Haverá esperança?

Talvez. Porque o topo de vendas não se limita apenas aos clássicos da literatura distópica. Lá pelo meio, muito timidamente, eis que aparece um livro que adensa ainda mais o mistério metafísico do Brasil. Falo de “Cartas de um Diabo ao seu Aprendiz”, de C. S. Lewis. Que faz ele aqui?

À primeira vista, não há dissonância alguma: as “Cartas de um Diabo ao seu Aprendiz” são um conjunto de 31 cartas escritas por um diabo sênior (Screwtape) ao seu sobrinho júnior (Wormwood).

O sobrinho está em início de carreira e procura levar à perdição a sua primeira alma. O tio, preocupado com o sucesso do sobrinho, vai aconselhando certas estratégias malignas para que a alma seja desviada.

Sim, é provável que o leitor brasileiro, depois de conhecer os infernos na Terra, também queira espreitar os infernos lá de baixo.

E, além disso, saber como pensa um diabo pode ter as suas vantagens para o momento político que o país atravessa.

Mas as “Cartas” de C.S. Lewis são também uma defesa de certas virtudes que derrotam qualquer diabo. Como a esperança; a resistência ao desespero; a busca da verdade; e a importância de reformarmos a alma, antes mesmo reformarmos o mundo.

Na próxima semana, confesso que vou olhar novamente para os livros mais vendidos. Se C. S. Lewis subir alguns lugares, o Brasil estará salvo.

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