João Pereira Coutinho

Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.

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João Pereira Coutinho

Quem chorou por causa de Jordan Peterson merece nossas lágrimas

A fobia perante a dor faz com que a anestesia seja um ideal de existência, como diria Byung Chul-Han

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Leio na imprensa que Jordan Peterson vai lançar novo livro em 2021. Depois de “12 Regras para a Vida”, parece que o autor encontrou mais 12 mandamentos para os seus seguidores. O título será “Beyond Order”.

Desejo boa sorte para Peterson. Ele bem precisa. Nos últimos tempos, uma dependência brutal de benzodiazepinas quase lhe roubou a vida. Foram precisas várias hospitalizações para que o autor deixasse o vício.

Eis a ironia da existência: o homem que dá conselhos sábios aos outros não é capaz de os viver.

Acontece que o meu interesse não está no livro de Peterson. Nem sequer no próprio Peterson, que sempre li com prazer moderado (o seu melhor livro continua a ser “Mapas de Sentidos”; o “12 Regras para a Vida” é mera destilação do primeiro).

O meu ponto é que o anúncio de uma nova obra precipitou protestos imediatos dos funcionários da Penguin Random House no Canadá. Há relatos de adultos chorando porque, alegadamente, os livros de Peterson afetaram as suas vidas. E afetaram por quê?

Porque contêm opiniões contrárias ao pensamento “woke”, sobretudo em questões de identidade de gênero.

Apesar de tudo, a Penguin canadense mantém a publicação. Para aliviar o sofrimento dos seus funcionários, abriu um fórum virtual para que eles possam carpir suas mágoas.

Não vou rir do episódio, embora seja tentador. Prefiro afirmar que ele mostra na perfeição como os conceitos de “dano” e “dor” foram radicalmente transformados no século 21.

Hoje, dano não se refere a uma violação gravosa dos direitos de outra pessoa —condição para que exista uma sanção legal ou até social. Exemplo: eu destruo a vida, a propriedade ou a reputação do meu vizinho e sou julgado e punido por isso.

Dano, agora, é qualquer coisa que ofenda, perturbe ou inquiete a turma da “cultura do cancelamento”. Pode ser uma opinião, uma imagem, uma piada, um gesto. Até um silêncio, uma expressão, um suspiro.

Pode ser tudo e o seu contrário porque pessoas diferentes se sentem perturbadas por coisas diferentes.

Por outro lado, essa hiper-sensibilidade revela uma absoluta intolerância face à dor. Somos uma “sociedade paliativa”, para usar a expressão do filósofo Byung Chul-Han: a fobia perante qualquer coisa que provoque dor faz com que a anestesia seja um ideal de existência.

Isso se explica, em parte, pelo fato de não atribuirmos à dor nenhuma espécie de sentido. É uma excrescência, uma relíquia de tempos primitivos, mero lero-lero pessimista e religioso. A vida é prazer constante, ou então não vale a pena.

Infelizmente, a vida não é um prazer constante —e uma sociedade impreparada para a dor, para o desconforto e para a dissonância está condenada à histeria, ao atraso e à fragilidade suicida. Sem as dores do crescimento não existe crescimento— nem moral, nem intelectual, nem político.

É tentador rir dos funcionários da Penguin que começaram a chorar por causa de um livro. Mas, pensando melhor, talvez a atitude mais indicada seja verter algumas lágrimas pelo choro deles.

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