João Pereira Coutinho

Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.

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João Pereira Coutinho

Perfil físico de um ator é importante para o papel que ele encarna

É preciso interpretar críticas sem ceder ao fantasma da misoginia, ou alguém vê Danny DeVito como Super-Homem?

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Era Nelson Rodrigues quem dizia que emitir uma opinião, de forma puramente desinteressada, era a suprema forma de suicídio. Se assim era meio século atrás, que dizer hoje?

Tenho acompanhado o calvário do crítico Dennis Harvey. Para quem não sabe, Harvey é um veterano da revista Variety e uma das melhores penas dos Estados Unidos.

Há mais de um ano, escrevendo sobre o filme “Promising Young Woman”, o autor foi generoso demais com o filme –mas acrescentou que a escolha de Carey Mulligan para o papel de “femme fatale” tinha sido uma má escolha.

Cassie, a personagem de Mulligan, exibe um artificialismo “camp” (nas roupas, na peruca) que não cola com a atriz, escreveu o crítico. Se a escolha tivesse sido Margot Robbie, a produtora do filme, talvez tivesse resultado. Mas Carey Mulligan?

Pois é. Parece que a sra. Mulligan não gostou. Em entrevista recente ao New York Times, a atriz lamentou que Harvey tenha feito considerações grosseiras sobre a sua aparência física. “Senti que ele estava dizendo que eu não era gostosa o suficiente”, desabafou Mulligan.

Foi o que bastou para que as redes sociais, sempre em busca de sangue fresco, atacassem Harvey com uma ferocidade alucinante. A Variety, em gesto que a define, pediu desculpas pela “linguagem insensível” do crítico, embora tenha mantido o artigo online.

Confesso desilusão com Carey Mulligan, uma das mais talentosas atrizes da sua geração. Desilusão dupla.

Primeiro, porque Mulligan parece incapaz de interpretar um texto crítico sem ceder ao velho fantasma da misoginia.

O ponto não está em saber se Mulligan é sexy. Está em julgar se a personagem é sexy –uma diferença abissal.

Por outro lado, a hipersensibilidade da atriz só revelou a ausência de espelhos lá em casa. Com a devida vénia, sempre achei Mulligan sexy q.b. Não falo dos seus papéis em “Shame” (o melhor filme de Steve McQueen até hoje) ou “Longe deste Insensato Mundo” (uma grande adaptação do clássico de Thomas Hardy por Thomas Vinterberg).

Falo de a ver passar em Londres, quando o meu pobre coração estremecia. E falo de a ver em palco desde a mais tenra idade.

A primeira vez, se a memória não me falha, foi na Broadway, em 2008, na “Gaivota” de Tchékhov. Mulligan tinha 23 aninhos e, para bom entendedor, ela eclipsava Kristin Scott Thomas.

A última vez foi na peça “Skylight”, de David Hare, já em plena maturidade. Abençoada maturidade.

O comentário de Dennis Harvey (que, a propósito, é gay) não era um comentário às virtudes físicas de Mulligan. Mas, ainda que fosse e imaginando que Carey Mulligan era o Corcunda de Notre-Damme, desde quando o perfil físico de um ator deixou de ser relevante para o personagem que ele encarna?

Será que alguém imagina Danny DeVito no papel de Super-Homem?

Em caso afirmativo, confesso que vou tentar uma carreira em Hollywood. Quem disse que George Clooney é mais bonito do que eu?

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