João Pereira Coutinho

Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.

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Lei anti-LGBTQIA+ é embaraçosa a qualquer macho hétero que se preze

É preciso reconhecer que medidas desse tipo são anticonservadoras, jacobinas, autoritárias e centralistas

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1. “Sexo, não, por favor: somos britânicos.” Nunca acreditei nessa piada. Basta olhar para a política: são incontáveis os premiês e ministros que conheceram a desgraça por causa da alcova. Piores, só os franceses.

O último dessa linhagem é Matt Hancock, ministro da Saúde, que apresentou a sua demissão por ter sido filmado a beijar a assistente, com quem mantém um affair.

Hancock é casado. Mas a demissão não se explica por razões pessoais ou morais. Apenas por razões sanitárias, o que permite contemplar melhor o espírito do nosso tempo.

No dia 3 de maio, data do beijo, uma das regras impostas pelo Ministério da Saúde era manter o “distanciamento social” com pessoas que não são da família. Essa regra só seria revogada a 17 de maio.

Se Hancock tivesse aguentado mais 14 dias sem tocar na amante, optando por uma dieta de abstinência e duchas frias, nenhum problema. Mas o ministro não suportou a carência.

desenhos de esquadrias de janelas em preto e vermelho sobrepostos
Ilustração de Angelo Abu para a coluna de João Pedro Coutinho publicada em 28 de junho de 2021 - Angelo Abu/Folhapress

Longe de mim defender Matt Hancock: na luta contra a Covid, o ministro sempre teve um prazer perverso em impor aos outros regras tirânicas e proibições absurdas que, vemos agora, ele era o primeiro a violar.

Mas, por outro lado, como não rir? Na minha inocência, eu julgava que a ideia de ter uma amante
era incompatível com noções de “distanciamento social”.

Aliás, em certos casos, a amante serve, precisamente, para superar o “distanciamento social” que existe dentro de casa.

Mas talvez eu esteja errado —e, em tempos de Covid, seja expectável que os amantes usem máscara, se mantenham a dois metros um do outro e possam lavar as mãos apaixonadamente, cada um em seu lavatório, até caírem exaustos de prazer.

2. Viktor Orbán, premiê húngaro, incendiou a Europa com uma lei que proíbe a divulgação, entre menores de 18 anos, de conteúdos relacionados com a identidade de gênero, a mudança de
sexo e a homossexualidade.

A medida foi apresentada como “conservadora” pelos críticos, que denunciam o clima de homofobia e de ataque à liberdade de expressão que reina ali.

Peço desculpa aos críticos, mas a medida não é “conservadora”, exceto para quem não entende o significado filosófico de certas palavras. Qualquer conservador sabe que, em matéria educativa, cabe aos pais, e não ao Estado, decidir o que as crianças podem ou não consumir.

Isso é válido para a cultura pop; para as matérias religiosas ou morais ensinadas na escola; e para qualquer outro assunto em que a educação dos filhos esteja em causa.

A medida de Órban é, quando muito, anticonservadora. É jacobina, autoritária e centralista. A função de um conservador é ordenar ao Estado que se retire de matérias parentais.

Mas é mais que isso: como escreve William Nattrass na Spiked, a Hungria está preocupada com o seu declínio demográfico. Hoje, tem 9,7 milhões de habitantes. Mas pode chegar a 2050 com 8,5 milhões.

O governo entende que uma das formas de reverter essa tendência é pela supressão, no espaço público, dos temas LGBTQIA+.

Pessoalmente, não conheço nenhum heterossexual que tenha deixado de fazer filhos porque assistiu a “O Segredo de Brokeback Mountain”. Também não conheço nenhum heterossexual que tenha cortado a sua protuberância depois de ler as memórias de Caitlyn Jenner.

A lei de Órban expressa uma ansiedade heterossexual bastante embaraçosa para um macho que se preze. Quem está confortável com a sua identidade sexual não se sente ameaçado com a vida privada dos outros.

3. Um dos grandes fenômenos do nosso tempo é a forma como o capitalismo vai parasitando as causas da moda para fazer o que melhor sabe: dinheiro. Em agosto, Vivek Ramaswamy vai publicar um livro (“Woke, Inc: Inside Corporate America’s Social Justice Scam”) em que conta com detalhes essa farsa.

Mas, pela entrevista ao Wall Street Journal, a tese promete: depois da crise financeira de 2008, o capitalismo tinha de encontrar uma forma para se relegitimar aos olhos do público. A “wokeness” foi a salvação: mostrando preocupações sociais/raciais/identitárias, as grandes corporações puderam tocar os seus negócios com um novo halo de santidade.

Agora, chegou a vez da Victoria’s Secret, a famosa grife de lingerie que deixará de ter os seus “anjos”. Haverá apenas mulheres “normais”, de preferência ativistas, e com moderado sex appeal.

Os otários, de esquerda ou de direita, afirmam que é uma vitória do feminismo ou do politicamente correto, consoante os casos. Talvez seja.

Mas é, antes de tudo, uma vitória do dólar sobre os otários.

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