Woody Allen estava errado quando dizia que a fórmula do humor é tragédia somada ao tempo. Quando assassinaram o presidente Abraham Lincoln, afirma um dos seus personagens em “Crimes e Pecados”, ninguém fazia piadas sobre o assunto. Mas passaram mais de 150 anos. Hoje, parodiar o crime é pacífico.
Ou, pelo menos, era. Um dos fenômenos mais pertubadores do nosso tempo é que o tempo nada vale: vivemos num eterno presente, em que os abusos e os erros do passado nunca envelhecem.
Que o diga o ex-diretor artístico da cerimónia de abertura das Olimpíadas de Tóquio, Kentaro Kobayashi, um ator e comediante que, mais de 20 anos atrás, fez uma piada sobre o Holocausto.
A piada era de mau gosto? Pergunta errada. Antes de sabermos a qualidade do humor de Kobayashi, é preciso perguntar primeiro se o Holocausto é tema possível de tratamento humorístico.
Pessoalmente, e apesar do meu filossemitismo, não vejo nenhum tema tabu que o humor esteja proibido de tocar. A liberdade de expressão não serve apenas para escutarmos as coisas de que gostamos; o supremo teste está em defender esse direito até para aqueles que nos causam desconforto ou repulsa. Raros são os que passam esse teste.
Por outro lado, a melhor resposta à pergunta é dada pelos próprios humoristas judeus, como Sarah Silverman ou o inevitável Larry David, que transformaram o genocídio do seu povo em pretexto para gargalhada e reflexão.
Aliás, um documentário de Ferne Pearlstein, intitulado “The Last Laugh” (disponível na Amazon Prime), é exclusivamente dedicado ao assunto: humor sobre os crimes do nazismo. Se não damos a última risada sobre o absurdo e o horror, a vida é uma derrota. Mesmo para aqueles que sobreviveram à maior das derrotas —e que surgem no documentário para contar piadas sobre os números que têm tatuados no braço.
Eu sei, eu sei: haverá quem diga que os judeus, ao contrário dos gentios, têm essa prerrogativa. E haverá quem acrescente que só os judeus sobreviventes têm esse direito.
Lamento discordar: se todos somos humanos, nada do que é humano nos pode ser estranho —ou, para usar a linguagem da moda, nada pode ser “apropriado culturalmente”. Quando existe inteligência, é tão legítimo um japonês contar piadas sobre o Holocausto como um judeu contar piadas sobre as bombas nucleares em Hiroshima e Nagasaki.
A piada de Kentaro Kobayashi não tinha piada, é certo, nem sequer inteligência; apenas ridicularizava o assunto com um infantil “vamos rir do Holocausto!”.
Mas mesmo nesse caso boçal, em que não há qualquer esforço para reflectir ou subverter a tragédia, será que o humorista tem direito a errar? Tem direito, no fundo, a aprender com o erro?
Não para a sensibilidade paranoica em que vivemos, que só por piada se acha “progressista”. Na verdade, essa sensibilidade é profundamente reacionária, negando a possibilidade de progresso e de perdão.
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