João Pereira Coutinho

Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.

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Perder tempo com assuntos que não controlo não está em meus planos para 2022

Evitar pessoas que não merecem a atenção é minha resolução para o ano novo, o que aprendi com Sêneca

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Ler os jornais desse início de janeiro é um filme de terror. A Rússia vai invadir a Ucrânia? A China vai invadir Taiwan? Teremos novas variantes do corona infame? Trump e seus discípulos vão regressar ao mundo dos vivos nas eleições intercalares dos Estados Unidos? E Bolsonaro? Fica ou vai embora?

O ano ainda mal começou. E a vontade do cidadão comum é ficar na cama, protegido do mundo, à espera que venha 2023.

Queima de fogos na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, na virada de 2021 para 2022 - Tércio Teixeira - 1.jan.2022/Folhapress

Não desista, cidadão! E se você precisa de terapia bibliográfica para suportar as tormentas da vida, os estoicos são o melhor colírio.

Por esses dias sombrios, tenho regressado a eles. Leio as "Tragédias" de Sêneca, recém-traduzidas para português por Ricardo Duarte (Edições 70). E também o pequeno ensaio de John Sellers, "Lessons in Stoicism" (Penguin), que recomendo.

A palavra "estoico" tem má fama, sobretudo nesses tempos hiper-emocionais. "Estoico", na linguagem vulgar, é alguém destituído de emoções, indiferente ao mundo e aos outros, às vezes arrogante na sua conduta.

Nada mais longe da verdade. O estoicismo é uma filosofia do caráter que procura estabelecer o equilíbrio possível entre o homem e a natureza —incluindo a sua natureza humana. Só assim é possível ter um pouco de sabedoria, coragem, justiça e moderação –as quatro virtudes estoicas. E como chegar a elas?

Fazendo a distinção básica que Epicteto, o escravo grego que virou filósofo, recomendava nas suas lições: há coisas que podemos controlar e coisas que não podemos controlar.

Você não pode controlar a grande política internacional. Mesmo a política nacional, aqui entre nós, escapa aos seus melhores esforços –e às horas que você passa no Twitter, chafurdando em lutas insanas e insones.

O que você pode controlar –ou, pelo menos, pode aprender a controlar melhor– são seus julgamentos, seus impulsos e seus desejos. Ou, dito de outra forma, existe uma diferença entre o que acontece e a forma como reagimos ao que acontece. Um animal é puro instinto. Nós, apesar do instinto, não somos completamente animalescos.

A raiz da infelicidade, segundo Epicteto, está na pretensão absurda de tentar controlar o incontrolável.

Se isso é válido para as grandes questões, é logicamente válido para as pequenas. No seu ensaio, John Sellars relembra a história de um homem que procura Epicteto porque o seu irmão está enfurecido com ele, sem razão aparente. O homem, compreensivelmente, está triste com a atitude do irmão.

Epicteto critica o homem, não o irmão. Primeiro, porque não é possível controlar as emoções dos outros. Segundo, porque as únicas emoções que nos pertencem são as nossas.

É um belo conselho, sobretudo nessa época em que os argumentos emocionais canibalizam qualquer debate racional. Se alguém se sente triste, ofendido ou prejudicado com minhas ideias ou gestos, isso autoriza automaticamente que eu seja "cancelado".

O problema, que os estoicos conheciam bem, é que não é possível antecipar, acautelar ou proteger os outros das suas emoções. São eles, e apenas eles, que têm de lidar com o assunto, partindo do pressuposto de que falamos de adultos, e não de crianças.

Finalmente, o conselho mais precioso: não é ridículo que as pessoas sejam ciosas do seu dinheiro e das suas posses, mas completamente dissolutas em matéria de tempo?

Sêneca, sobretudo nas "Cartas a Lucílio", regressa a esse ponto múltiplas vezes. Começa logo na primeira carta: devemos ter em atenção o tempo que nos tomam; o tempo que nos foge; e o tempo que desperdiçamos. Para quê? Para aproveitarmos o tempo que nos resta.

Na minha lista de resoluções para 2022, não estão as grandes causas planetárias. Está o que sempre esteve: não perder tempo com assuntos que não controlo e pessoas que não o merecem.

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