Algo se passa com os diretores de cinema que nasceram nas décadas de 1960 e 1970. Kenneth Branagh regressou a Belfast para evocar a infância e a família em seu filme "Belfast". Paolo Sorrentino fez o mesmo com Nápoles em "A Mão de Deus".
E agora chegou Paul Thomas Anderson com "Licorice Pizza" e o mundo arcádico do vale de San Fernando, na Califórnia, em 1973. Talvez a pandemia tenha algo a ver com o assunto: quando as misérias do presente se tornam opressivas, a infância e a juventude são esse espaço arcádico e seguro onde podemos revisitar velhos rostos.
Um deles é Gary Valentine, personagem vivido por Cooper Hoffman, filho do saudoso Philip Seymour Hoffman, que teria ficado orgulhoso do filho. Atenção ao nome: Valentine. Paul Thomas Anderson sempre teve um talento particular para nomes (Daniel Plainview, Reynolds Woodcock), mas Valentine é um achado: o rapaz tem 15 anos, mas tenta a sua sorte com uma mulher de 25.
A mulher é Alana, interpretada por Alana Haim, que ri do valentão, perdão, do valentim, embora fique intrigada com a insistência e prosápia dele.
Apesar de tudo, jantam. Ele apaixona-se perdidamente por Alana. Ela mantém as distâncias. Mas como resistir a Gary, ator-mirim —em declínio, é certo, a acne não perdoa—, que se reinventa como empresário —primeiro, de colchões de água; depois, de máquinas de fliperamas?
Tentando um compromisso, talvez, atuando como sócia de Gary nos seus negócios e trambiques. É um compromisso frágil porque aqueles dois, apesar da diferença de idades, estão sempre em rota de colisão sentimental. É complicado. E é a coisa mais simples do mundo.
"Licorice Pizza" é como os colchões de água que Gary vende: um objeto divertido, ondulante, confortável, porém estranho. A estranheza está na dissonância que existe entre o mundo de Gary —e de Alana— e o mundo que corre lá fora, ameaçador e caótico.
Aliás, quando esse mundo se intromete na história –Gary preso por engano; a crise do petróleo que arruína os negócios; as hipocrisias da política— é apenas para amplificar a preciosidade daquela relação.
Ou, melhor dizendo, a preciosidade daquele momento: o fim da primeira juventude, o início da idade adulta com todas as suas angústias e fragilidades. "Licorice Pizza" é belo, intensamente belo, porque representa o último fulgor do verão antes do outono chegar.
Quando assistia a "Licorice Pizza", dei por mim a pensar no mais improvável dos romances: "Brideshead Revisited", de Evelyn Waugh. Lembrei-me de Sebastian, o personagem trágico da história, que falha essa passagem crucial para a maturidade.
É um destino que não imaginamos para Gary e Alana. Como na canção, o mundo sempre acolherá os amantes, à medida que o tempo passa.
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