João Pereira Coutinho

Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.

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Descrição de chapéu machismo

Autora defende que revolução sexual foi mais vantajosa para os homens

Em 'The Case Against the Sexual Revolution', pós-feminista Louise Perry pondera se prejuízos não superaram os ganhos

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Era Madeleine Albright, a antiga secretária de Estado americana, quem dizia que no inferno existia um lugar especial para as mulheres que não apoiavam as outras mulheres.

Segundo esse critério, imagino que Louise Perry, autora de um dos mais falados livros dos últimos tempos, pode ter o seu lugar garantido nas chamas infernais. Pelo menos, para muitas feministas.

O título do livro é "The Case Against the Sexual Revolution" (Polity, 200 págs.) e, para usar um eufemismo, ninguém fica indiferente ao argumento: a revolução sexual aliviou o peso da castidade e da maternidade para as mulheres, desde logo com a invenção da pílula. Mas será que os prejuízos não foram maiores do que os ganhos?

Para testar a hipótese, Perry começa com uma história: Hugh Heffner, o patrão da Playboy, e Marilyn Monroe, que passou pelas páginas da revista, nasceram no mesmo ano. Também estão enterrados lado a lado –Heffner pagou US$ 75 mil por essa honra.

Mas comparando as vidas de ambos, quem se beneficiou mais da revolução sexual: Hugh ou Marilyn?

O "feminismo liberal", que Perry critica, é incapaz de reconhecer que a libertação sexual serviu majoritariamente os interesses masculinos.

Na década de 1950, os manuais ensinavam as mulheres americanas a serem ótimas donas de casa. Três mandamentos eram essenciais: ter o jantar pronto a horas; manter uma aparência cuidada; e deixar que o marido falasse sempre primeiro.

Hoje, argumenta a autora, esses manuais já não existem. Mas a "subserviência feminina" continua: basta ler uma revista como a Cosmopolitan que ensina "30 maneiras de dar prazer a um homem".

Na base de todos esses equívocos está a forma capciosa como o "feminismo liberal" recusa os limites da biologia e da psicologia femininas. Os homens adoram a variedade carnal; as mulheres preferem maior estabilidade e monogamia.

Porém, a "hook-up culture" que se tornou dogma só funciona para eles. Não deveria haver mais igualdade? Não deveriam ser os homens a ajustar os seus desejos e comportamentos aos desejos e comportamentos das mulheres?

O livro de Louise Perry não é um daqueles panfletos reacionários que defendem o retorno à década de 1950. Ou a 1850. A autora assume-se como uma "pós-feminista" e o seu trabalho é cientificamente meticuloso, apoiado em mil estudos de referência.

Além disso, Perry trabalhou com vítimas de violência sexual, conhecendo bem o lado criminoso e trágico das relações entre sexos.

Mas, apesar de eu reconhecer a pertinência de muitas das suas observações —o capítulo dedicado à prostituição e à forma "blasé" como muitos progressistas "normalizam" esse trabalho é um dos melhores do livro—, não compro por inteiro o seu argumento de que a revolução sexual foi um engano. Muito menos que é necessária uma contrarrevolução sexual.

Eu sei: como homem, sou suspeito aos olhos de Louise Perry. Mas, arriscando uma crítica, parece-me que a autora comete o mesmo erro que atribui ao "feminismo liberal": uma generalização abusiva de certas atitudes e comportamentos a todas as mulheres.

Se é verdade que nem todas as mulheres desejam uma vida de promiscuidade, não é menos verdade que existem mulheres que a podem desejar. E daí?

O que a "revolução sexual" permitiu, primeiro que tudo, foi a possibilidade de escolha das mulheres, não a condenação de todas elas a serem escravas inconscientes (ou ingênuas) dos desejos masculinos.

Aliás, essa fraqueza do argumento de Louise Perry encontra-se na forma como ela lida com a noção de "consentimento". Será que o consentimento é tudo que interessa numa relação íntima entre adultos?

Ou há várias formas de manipular esse consentimento —pressionando, coagindo, enganando?

O movimento MeToo, citado por Louise Perry, mostrou em abundância que muitos dos casos denunciados habitavam essa zona cinzenta, em que apesar do consentimento muitas mulheres se sentiram desconfortáveis e compelidas a certos atos pelos homens.

Não há uma forma simples de responder a essa questão. Mas, se é verdade que o consentimento pode não bastar —muitos crimes sexuais podem ocorrer depois desse consentimento—, a verdade é que ele deve ser o primeiro critério, o mínimo dos mínimos, para separar o abuso do voluntarismo.

As alternativas que Perry apresenta —relembrar os conselhos da mãe e ter mais prudência e recato com os homens— não substitui a importância que a palavra "sim" ou "não" pode ter em certos contextos.

Seja como for, o livro de Louise Perry merece ser lido pelas perguntas que formula. São perguntas desconfortáveis, corajosas, inesperadas —e sempre com a ambição honesta de defender as mulheres.

Com todo respeito pela memória de Madeleine Albright, o inferno não será para Perry.

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