João Pereira Coutinho

Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

João Pereira Coutinho
Descrição de chapéu Belarus

Ditaduras de hoje usam a máscara da democracia e deixam o terror de lado

Esqueça Hitler e Stálin, autocratas do século 21 não querem ser temidos, mas populares até no cenário internacional

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Se o leitor deseja uma carreira como ditador, o melhor é esquecer os modelos que viu no século 20. Dão muito trabalho: a repressão violenta não é higiênica; o controle sobre a sociedade é extenuante; a imposição ideológica é uma tarefa incompreendida; e o isolamento do país é um vexame.

Sim, no século 21, ainda temos a Coreia do Norte como exemplo extremo de anacronismo. Mas você quer mesmo um penteado igual a Kim Jong-un?

Aquele que, pelo penteado, parece ser o candidato a ditador brasileiro, se atrapalha ao tentar usar uma máscara cirúrgica e cobre toda a face, ao invés de apenas as vias respiratórias. Trata-se de um trocadilho visual associando a máscara de baile a que o texto se refere, com o uso das máscaras cirúrgicas, que teve uma simbologia própria na política brasileira atual
Publicada nesta segunda-feira, 25 de julho de 2022 - Angelo Abu

Para ser um ditador no século 21, as regras são outras: você precisa fingir que é um democrata. E ser um democrata, mesmo falso, implica certas operações cosméticas.

Sergei Guriev e Daniel Treisman, no recém-lançado "Spin Dictators: The Changing Face of Tyranny in the 21st Century" (Princeton, 352 págs.), resumem esses métodos após décadas de observação e estudo.
Comecemos pela violência: de Hitler a Stálin, sem esquecer o camarada Mao Tse-tung, ninguém nega o profissionalismo deles nas matanças.

Mais: as matanças não eram apenas regulares, mas regularmente publicitadas para mostrar a mão de ferro do regime. Como dizia o general Franco, na Espanha, lidar com os opositores implicava "garrote y prensa" (estrangulamento e notícia no jornal).

O "ditador do spin" do século 21 não suja as mãos como os "ditadores do medo". Opositores? É possível prendê-los por crimes não políticos (fiscais, sexuais etc.). Ou, pelo menos, levá-los à falência com processos judiciais longos, labirínticos, insanos.

O mesmo vale para a propaganda e para a censura: o nazismo e o comunismo eram vociferantes e toscos no controle das mentes.

Um exemplo: quando Beria, o braço direito de Stálin, foi assassinado em 1953, os novos senhores do Kremlin obrigaram todos os proprietários da Grande Enciclopédia Soviética a removerem as páginas dedicadas a "Beria, Lavrenti" e a colarem nesse espaço um novo artigo sobre "Bering, estreito de".
O ditador do século 21 não precisa de cortar e colar. Os jornalistas e a mídia podem ser silenciados com os mesmos processos judiciais que calam a oposição.

Embora o ideal seja permitir, aqui e ali, alguns pequenos veículos de mídia críticos do regime, até para mostrar ao mundo que a autocracia não é autocrática. O "ditador do spin" preocupa-se com a percepção internacional.

Finalmente, as eleições. Esqueça vitórias eleitorais com 99% dos votos. Ninguém engole mais esse filme.
Desça para um patamar civilizado. Em 2006, quando o ditador de Belarus soube que o resultado "oficial" era de 93%, ele próprio, em gesto de grande humildade, exigiu 80%. "É um número mais europeu", justificou.

Não que o ditador do século 21 precise forjar as eleições. Ele tende a ser popular, genuinamente popular, sobretudo se a economia vai bem.

Mas, como argumentam Sergei Guriev e Daniel Treisman, o objetivo da fraude não é garantir a vitória; é mostrar a distância entre o incumbente e a oposição.

Vencer com 65% dos votos, por exemplo, chega para o serviço e ainda envia um importante sinal à população mais informada (e antirregime): se o ditador apresenta 65%, isso significa que ele venceu mesmo o pleito, mas com 55%. Uma inflação de dez pontos já faz parte da praxe.

É assim o notável livro de Sergei Guriev e Daniel Treisman: uma viagem às entranhas das novas formas de autocracia que é possível observar na Venezuela, na Hungria, na Rússia ou em Cingapura.

Como os próprios defendem, ainda existem "ditaduras do medo" no nosso século: na África, na China, em Cuba, no sinistro Afeganistão.

Mas entender as novas "ditaduras do spin" implica olhar para o marketing dos novos ditadores: eles não querem ser temidos, mas populares; não querem projetar uma imagem de terror, mas de competência.

E, pormenor fundamental, eles não esmagam as rebeliões como antigamente para se manterem no poder. Preferem esmagar a necessidade de rebelião por métodos indiretos, aparentemente legais, e sem espantarem os cavalos.

Será o futuro da autocracia?

Os autores são otimistas: as "ditaduras do spin" foram a resposta que os ditadores encontraram para travar as consequências inevitáveis do "coquetel da modernização", ou seja, a democracia.

Em sociedades pós-industriais, globalizadas e crescentemente liberais, os "ditadores do spin" tentam parar a marcha da história com um simulacro do produto genuíno. Infelizmente, a marcha da história não tem um único sentido. E não é de excluir que os "ditadores do spin" prefiram remover as máscaras e regressar aos velhos tempos. Fingir também cansa.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.