João Pereira Coutinho

Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.

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João Pereira Coutinho

Modalidades de traição vão da infidelidade física até a puramente fantasiosa

Sou exemplo do adultério mental: tive um namoro intenso com Deborah Secco, e nunca nos termos conhecido é mero detalhe

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Para ter sucesso na vida não basta ser estúpido; é preciso também ter boas maneiras. Assim falava Voltaire.

Falava bem. Estúpidos com boas maneiras sempre chegam longe. E, quando aplicam o seu talento a certas áreas —política, economia, livros de autoajuda—, está encontrado o caminho para a fortuna.

Deixemos ficar a política e a economia para outro dia. Como resistir à autoajuda, sobretudo em matéria amorosa?

Eu não resisto. Leio no jornal The Independent que os ditos "especialistas" em relações sentimentais (risadas?) encontraram cinco formas de infidelidade. Todas elas partilham a mesma gramática —secretismo, engano e volatilidade emocional.

Várias silhuetas de casais abraçados se espalham pela composição. Dentro de seus corpos, há apenas labirintos
Ilustração de Angelo Abu para a coluna de João Pereira Coutinho publicada em 1º de agosto de 2022 - Angelo Abu/Folhapress

Mas nem todas apresentam as mesmas manifestações. A infidelidade física é a mais comum. Você conhece: dois corpos que se encontram, se beijam, se unem —e alguém está enganando alguém.
Ou ambos estão enganando os respectivos parceiros.

Não é a única infidelidade que importa. Em segundo lugar, é preciso ter atenção à infidelidade mental. Repito: mental. Dizem os "especialistas" que fantasiar faz parte da natureza humana (a sério?); mas a infidelidade só acontece quando essas fantasias dominam a sua vida e, no limite, destroem a relação.

Sou o exemplo vivo disso: durante alguns anos, tive um namoro intenso com Deborah Secco. O fato de nunca nos termos conhecido não passava de um detalhe para as minhas namoradas. "Pode ficar com ela!", gritavam na minha cara, antes de baterem a porta.

Em terceiro lugar vem a infidelidade sentimental: é quando você começa a sentir algo pela mulher do vizinho, do amigo, do chefe, sem jamais consumar essa atração.

Em quarto, vem a infidelidade virtual. As redes sociais potenciaram esses dramas: dois usuários encontram-se no ciberespaço e começam a trocar "likes" e emojis com uma paixão insana. Nove meses
depois, pode nascer um blog.

Finalmente, vem a infidelidade monetária. Como? Eu explico como: veja seu cartão de crédito e verá que ela, ou ele, já tem outro, ou outra. Os nomes mais comuns do rival costumam oscilar entre Hugo (Boss) e Carolina (Herrera).

Por mais exaustiva que seja essa lista, sinto que ainda faltam algumas modalidades de traição. Com o devido respeito aos "especialistas", sugiro mais essas cinco:

"Infidelidade Frankenstein": atração por um outro corpo, mas não pela totalidade dele. Só por uma das partes —a clavícula, a tíbia, eventualmente as falangetas das mãos ou dos pés.

"Infidelidade Dolly": existe atração, eventualmente consumação, mas com um exemplar ruminante bovídeo da sub-família caprina, ou seja, com uma ovelha. Foi Woody Allen quem diagnosticou o fenômeno em 1972 com "Tudo o que Você Sempre Quis Saber Sobre Sexo Mas Tinha Medo de Perguntar".

"Infidelidade paranormal": a relação é estabelecida com outra pessoa, já morta, mas presente em espírito.

"Infidelidade gastronômica": fique tranquila, ele ama você, mas ama mais a geladeira.

"Infidelidade neurológica": "Querido, isso não é o que você está pensando".

E por falar em traição: o governo espanhol lançou uma campanha para afirmar que "todos os corpos são corpos de praia". Na imagem, vemos cinco mulheres, de todas as formas e feitios, curtindo o sol estival.

A mensagem do governo é clara: preconceitos sobre o corpo feminino não são aceitáveis. A praia é de todo mundo —gordos e magros, novos e velhos.

Infelizmente, esta sábia recomendação não foi observada pela própria campanha do governo, que usou as imagens das mulheres sem pedir autorização a elas.

Pior: usou as imagens e, em certos casos, editou-as. A modelo Sian Green-Lord, que tem uma prótese na perna esquerda, ficou com uma perna nova e funcional; e a atriz Juliet FitzPatrick, que fez uma dupla mastectomia, aparece num outro corpo (e com um seio intacto).

O que espanta nessa história não é apenas a gritante contradição entre a teoria e a prática. É verificar, uma vez mais, que nada disso teria acontecido se o governo progressista de Pedro Sánchez não tivesse criado um problema onde ele não existia. Todos os corpos são corpos de praia? Basta frequentar uma para saber que sempre foi assim.

Eis um caso em que a estupidez não veio acompanhada pelas boas maneiras. Deu no que deu.

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