Joel Pinheiro da Fonseca

Economista, mestre em filosofia pela USP.

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Joel Pinheiro da Fonseca

É permitido torcer?

Por um mês a cada 4 anos, ocupamos nosso lugar como centro das atenções

O Brasil ainda respira, graças à Copa. No domingo, não havia uma só alma ainda presa à ideia de boicotar os jogos como forma de protesto, seja contra a CBF corrupta, contra o Temer ou seja lá o que o for.

A esquerda mais aguerrida teve que engolir seu orgulho e se render à camisa verde-amarela. Agora que Guilherme Boulos compartilhou foto sua torcendo no jogo, usando a camiseta oficial, ela deve ser finalmente liberada aos fiéis.

Tão brasileiro quanto gostar de futebol é gostar de reclamar da importância do futebol. Em tempos de crise e cinismo, o discurso negativista sobre a Copa —que já é bem conhecido— só se fortalece. 

Comparamos o desempenho medíocre do Brasil em indicadores econômicos e sociais com os de nossos rivais. Nesta Copa, o primeiro adversário calhou de ser a Suíça, então a comparação é particularmente cruel. 

Lembramos também dos salários astronômicos de nossos craques, enquanto os professores do ensino básico, responsáveis pelo futuro da nação, ganham tão pouco e são tão desrespeitados. 

Na Coreia, dizem, os professores são milionários. No Japão, até o imperador se curvaria diante do professor. Será que a taça faz falta?

Mas nem só de trabalho e estudo é feita a vida. Também precisamos de jogo, de orgulho, de competição e de celebração. O humor brasileiro é o que nos salva mesmo quando o futebol é posto em xeque.

Uma série de piadas e memes circula nas redes para responder zombeteiros ao argumento anti-Copa. 

Nesse humor que, até que me provem o contrário, só é possível no Brasil, a relação de prioridades se inverte: se estamos indo mal no futebol, então precisamos tirar ainda mais dinheiro dos professores e entregá-lo ao Neymar; é o que o verdadeiro patriotismo exige. A Suíça pode até ter muita coisa boa, mas nunca será campeã...

A Copa é um imenso presente para o Brasil. Por um mês a cada quatro anos, o futebol —a nossa área de destaque— é a coisa mais importante do mundo. Ocupamos nosso lugar de direito como o centro das atenções.

Não é à toa que justamente o futebol seja o maior esporte do mundo. É um esporte que, ao mesmo tempo, une estratégia de equipe com largo espaço para o talento individual e jogadas criativas que vão além da tática. 

E, mais importante: o gol é um fenômeno raro, improvável, o que aumenta exponencialmente o seu valor. Cada gol (exceto nas lavadas históricas das quais é melhor não lembrar…) tem o potencial de mudar o jogo e por isso desencadeia a explosão da torcida. 

Justamente essa raridade do gol dá ao futebol sua característica mais estimulante: a imprevisibilidade. O melhor costuma vencer, mas a zebra sempre é possível. Um golpe de sorte ou um lampejo de genialidade são o bastante para que o México vença a Alemanha, comemore como se não houvesse amanhã e sonhe com dias melhores.

O passado não exerce um peso tirânico sobre o presente. É possível chegar lá mesmo em condições desfavoráveis. 

São marcas registradas do Brasil: confiamos no talento e na criatividade que florescem em meio à precariedade das condições externas; na vontade insaciável de vencer que só desperta para valer quando chega a hora da necessidade urgente. 

E, nessa hora, já não há mais divisões ideológicas; podemos apenas torcer.

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