Joel Pinheiro da Fonseca

Economista, mestre em filosofia pela USP.

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Joel Pinheiro da Fonseca

O ocaso da seleção imitou a realidade nacional, e não foi a primeira vez

O Brasil está fora do Mundial, mas o jogo da política continua

O lateral Marcelo, após a derrota para a Bélgica
O lateral Marcelo, após a derrota para a Bélgica - John Sibley - 6.jul.2018/Reuters

O jogo contra a Bélgica me deprimiu, reação que eu não esperava. De alguma maneira, depositava no hexa minhas esperanças para o Brasil. Precisávamos de uma conquista bela e simbólica para elevar o espírito. Infelizmente não veio. Nisso, o ocaso da seleção imitou a realidade nacional. E não foi a primeira vez.

Em 2014, todo mundo sentia que as coisas não estavam bem. Thiago Silva e David Luiz passavam a mesma confiança que Mantega e Tombini. Os fundamentos não estavam bons, analistas já apontavam que a economia estava em franca deterioração. Mas o emprego ainda batia recordes e o time ia vencendo os jogos, ainda que com alguns sustos. Com a vitória sobre a Colômbia, chegamos a sonhar. Será que a insegurança era invenção dos pessimildos, e a "Copa das Copas" seria nossa? O sonho durou pouco. Vieram o 7 a 1, o Dilma-2, a pior recessão da história, e passamos a habitar um pesadelo em que impera o caos, o ódio e a dúvida, e do qual ainda não saímos.

Com Temer e Tite no comando, o céu deu indícios de que se abriria novamente. A equipe é formada de craques de primeira linha: Neymar, Gabriel Jesus, Meirelles, Parente. A recuperação econômica e o título eram só uma questão de tempo. Neymar se recuperara de uma lesão, Temer, contra todas as expectativas, não caiu. O favoritismo, contudo, não nos fez campeões. O hexa, que seria tão bom para nossa autoestima e para a união nacional –quem sabe até para a economia– nos foi tirado pela Bélgica. Dominamos o jogo, mas erros bobos –um gol contra, um vazamento de áudio, uma greve dos caminhoneiros-- colocaram tudo a perder.

Neste ponto, a Copa do Mundo e a Copa da Realidade se descolam. Estamos fora do Mundial, mas o jogo da política continua. Neste último domingo, o Brasil teve um novo jogo definidor. O ataque da seleção inimiga veio furtivo, fora do tempo regulamentar. Em jogada ensaiada com deputados do PT, o desembargador Rogério Favreto tentou emplacar a libertação do Lula, mas o menino Moro estava lá para interceptar a bola e o juiz relator arrematou o gol. Os belgas tentaram contra-atacar algumas vezes, até berraram com a arbitragem, mas o VAR era claro: jogada ilegal. Lula continua no banco e, pelas regras, seu cartão vermelho o deixa de fora das próximas partidas.

A vitória é nossa e seguimos para a semi em outubro e a final em novembro. Fica mais uma vez comprovado –se é que precisávamos de mais evidências– que o time da camisa vermelha não tem o menor apreço pelas regras do jogo. Os cabeças do partido jamais acreditaram que uma manobra dessas tiraria Lula da cadeia. Mas estavam felizes em protagonizar uma chicana vergonhosa só para voltarem ao centro das atenções, ainda que nossas instituições saíssem desmoralizadas, rebaixadas a um uso político e oportunista. 

Isso é o que fazem quando estão fora de jogo. Agora imagine o que farão se voltarem como seleção titular e ainda donos da bola. Lotear o Estado com os bons companheiros de sempre, perseguir vozes discordantes, subjugar o Judiciário, controlar a mídia; tudo é parte do jogo. Somos uma sociedade minimamente organizada, com divisão de poderes e regras que, cada vez mais, têm valido para todos.

Mas nada disso se perpetua por inércia; há gente tentando minar nossa solidez institucional. Uma camisa vermelha adiou nosso sonho de hexa; outra, caso nos derrote, periga enterrar o país.

 

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