Joel Pinheiro da Fonseca

Economista, mestre em filosofia pela USP.

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Joel Pinheiro da Fonseca

Está apenas começando

Bolsonaro não quer mudar, e mesmo que quisesse, seria tarde; ele já mentiu demais, queimou pontes demais

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Não são só fanáticos que ainda defendem o governo Bolsonaro. Há vozes moderadas —liberais que querem um Estado mais eficiente, republicanos que desejam o combate à corrupção— que, embora reconheçam problemas, seguem dando-lhe um voto de confiança.

Para eles, Bolsonaro é bem-intencionado, mas escorrega na comunicação. Mira na direção certa, mas ainda não se revestiu da liturgia do cargo. É despreparado, mas se cercou de  bons ministros. Por trás da nuvem de verborragia, haveria um bom governo em andamento.

Tenho uma visão diferente: o problema do governo não é de comunicação, e sim de substância. A forma agressiva e mentirosa com a qual se comunica é deliberada e bem ajustada ao objetivo de suas ações: aparelhar o Estado, subjugar barreiras institucionais a seu poder, dividir a sociedade e impedir o debate racional e propositivo.

Ao turvar as águas da discussão (negando dados, criando teorias da conspiração, acusando pessoas), sua comunicação atua de maneira eficaz.

Ingerência na Ancine, no Inpe, no Coaf, na Polícia Federal e na Receita, desmonte da estrutura de proteção ambiental (com a consequência previsível que agora nos assola), desprezo pela educação, implosão da imagem do Brasil no exterior, filho na embaixada, ataque à imprensa profissional e promoção a sites de fake news, acusações mentirosas contra suspostos inimigos.

Qualquer ministro que não compactue com isso terá sua cabeça cortada. Uns por medo, outros por ambição acabam emulando a baixeza que vem de cima.

A dinâmica se repete. Depois de dias de uma crise absolutamente gratuita criada pelo presidente, ele baixa a retórica e as águas se acalmam. Boas almas moderadas dirão que Bolsonaro aprendeu uma lição e está se emendando.

Se nesse meio-tempo ele for capaz de proferir uma frase gramaticalmente correta, sem ofensas e sem algum delírio estapafúrdio, dirão que passou a se comportar como um “verdadeiro estadista”. Isso dura até que ele minta sobre algum jornalista, espalhe intrigas sobre algum aliado ou deboche do presidente de alguma outra nação.

Bolsonaro não quer mudar. E mesmo que quisesse, seria tarde. Ele já mentiu demais, queimou pontes demais. Congresso, Judiciário, academia, imprensa, Ministério Público, Polícia Federal, outros países; os ataques (retóricos ou práticos) destruíram qualquer confiança que poderiam ter nele. 

Sua única força é o apoio fanático de parte do eleitorado, que mesmo assim vai aos poucos se cansando de tanta balbúrdia vinda de quem deveria representar o melhor do Brasil.

O único caminho possível é radicalizar o discurso, o que tem se refletido em maior violência dos manifestantes nas ruas. Quem insiste em dar “votos de confiança” e colocar panos quentes apenas aumenta sua capacidade de danificar a institucionalidade e esgarçar o tecido social brasileiro.

Esperar o melhor dos outros e ser capaz de colaborar com diferentes grupos políticos são virtudes. É graças a pessoas assim que o país se civiliza e que governos inicialmente ruidosos às vezes são levados à cooperação e ao ganho coletivo.

Mas tem limite para tudo. Seguir com mostras de boa vontade a quem repetidamente demonstra sua própria má-fé deixa de ser virtude e se torna cumplicidade.

A política do apaziguamento, quando dirigida a alguém verdadeiramente inescrupuloso, encoraja sua voracidade. Após cada rodada de baixezas, vem um cessar-fogo. Mais um deve estar a caminho. Só não respire aliviado ainda; está apenas começando.

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