Joel Pinheiro da Fonseca

Economista, mestre em filosofia pela USP.

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Joel Pinheiro da Fonseca

Política é religião e futebol

É hora de resgatar algumas das virtudes que outrora caracterizavam o Brasil

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Num ato de desespero, Olavo de Carvalho conclama as massas a formar uma militância organizada em defesa de Bolsonaro e partir para a “ação”.

A horda de defensores virtuais do governo, contudo, está dividida porque descobriu que o presidente prefere proteger os interesses dos filhos a apoiar uma CPI para apurar corrupção no STF.

A adesão do povo verde-amarelo nos protestos domingueiros vem decaindo mês a mês. O governo continua com os mesmos vícios e autoritarismo, mas será que entre a população o fanatismo começa a diminuir? Estamos encharcados de polarização e sentimos seus efeitos destrutivos nas relações humanas. Muita gente já está exausta.

Polarização não é a mera existência de opiniões divergentes —que é algo desejável— mas o estado mental no qual a pessoa que pensa diferente deixa de ser um interlocutor legítimo —alguém que quer o bem da sociedade assim como eu— e passa a ser visto como um canalha a serviço de interesses inconfessáveis.

Se chegamos a esse ponto, nos tornamos alvo fácil de qualquer teoria conspiratória que corrobore nosso ponto de vista; e ficamos mais dispostos a violar as regras do jogo democrático para enfrentar esse inimigo imaginário.

A desconfiança mútua de todos que não concordam entre si envenena as relações, inclusive entre amigos e parentes.

Se não queremos chegar a tanto, é hora de resgatar algumas das virtudes que outrora caracterizavam o Brasil. Por aqui cultivávamos o saudável hábito de não discutir religião, futebol e política. Três coisas tão diferentes, o que têm a ver?

Nas três, integramos um grupo maior que está em conflito com outros grupos. A discussão não busca a verdade, e sim a vitória simbólica, a humilhação de tudo o que o interlocutor representa. Por isso que, no mais das vezes, uma discussão política acalorada nos deixa desgastados e não muda o posicionamento de ninguém. 

Para que nossas relações sejam proveitosas, é preciso que essas identidades sejam colocadas entre parênteses por um tempo, deixando que outras (amigo, colega, parente) venham à tona. O Brasil é bom nisso. Ou pelo menos era.

Talvez por sermos um país muito grande e de poder centralizado no governo federal e no Congresso, a impressão geral sempre foi a de que de um lado estamos “nós”, a população, e do outro lado “eles”, os políticos —sempre malandros e desinteressados do nosso bem.

Agora o “nós vs eles” se dá entre as facções da população, com políticos dos dois lados —os únicos reais beneficiados— surfando as ondas do fanatismo. 

O Brasil não convive ainda com o grau de polarização e ódio político que existe, por exemplo, na América espanhola, em que famílias se cindem em definitivo por apoiar A ou B.

O varguismo não teve nem de perto a força que o peronismo tem na Argentina. Lula jamais teve o mesmo grau de devoção e poder que Chávez ou Maduro têm na Venezuela. Nossos períodos ditatoriais reprimiram e mataram muito menos do que ditaduras à esquerda e à direita na Argentina, no Chile, no Paraguai, em Cuba, no México.

A ideologia vai até a página 2, o autointeresse e o imperativo da conciliação falam mais alto no resto do livro. Isso é em geral pintado como um defeito, mas seria uma pena se o perdêssemos em nome da obediência cega (sempre violenta) a um grupo político.

Para resistir, o primeiro passo é lembrar que sermos capazes de conviver bem e felizes, confiar uns nos outros e respeitar as regras do jogo é mais importante do que ter alguém do “nosso time” lá em Brasília.

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