Joel Pinheiro da Fonseca

Economista, mestre em filosofia pela USP.

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Joel Pinheiro da Fonseca

Somos um país corrupto?

Contrariando o pessimismo popular, tivemos avanços no combate à corrupção

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A ideia de que o Brasil é um país singularmente corrupto corre mais fundo em nosso sangue do que a própria corrupção. É o que mostra o novo relatório “Barômetro Global da Corrupção - América Latina e Caribe 2019”, feito pela Transparência Internacional e publicado nesta segunda (23). Coletando opiniões da população de 18 países da região, dá para ter uma ideia de como o Brasil se compara aos seus pares no continente.

A visão que os brasileiros têm do Brasil é de um país corrupto, talvez o mais corrupto do mundo. Noventa por cento acham que a corrupção no governo é um grande problema, e 54% acham que ela piorou de um ano para cá. Essa percepção tem sua razão de ser: vivemos inundados de notícias sobre corrupção na política. E o motivo disso, reza um argumento comum, é nossa cultura e história: somos um país corrupto de cima a baixo, faz parte do nosso dia a dia, do nosso DNA; consequência direta da colonização luso-católica aventureira e escravocrata, da malandragem generalizada. “Se ao menos fôssemos como os americanos…”. Nossa política, patrimonialista, seria um reflexo da sociedade corrupta em que se assenta.

Contudo, quando a pergunta envolve experiência direta de corrupção, o Brasil não está tão mal na foto. Apenas 11% dos entrevistados dizem ter pago suborno para algum provedor de serviços públicos (inclusive policiais) nos últimos 12 meses. Isso nos coloca entre os países menos corruptos da pesquisa: só Costa Rica e Barbados estão melhores que nós nesse quesito. Estamos melhores do que Argentina e Chile. (Cabe dizer que, em matéria de nível de propina, segundo os dados da pesquisa, o “socialismo bolivariano” da Venezuela é simplesmente imbatível.)

Já no que diz respeito à compra de votos, estamos entre os três piores: 40% dos brasileiros entrevistados dizem ter recebido oferta de compra de voto nas eleições. Isso bate com a percepção: a corrupção no Brasil é ligada à política. A boa notícia é que talvez essa corrupção política não seja o reflexo natural de uma cultura corrupta, mas o resultado localizado de regras e práticas ruins, especialmente ligadas às campanhas eleitorais e ao financiamento partidário.

Ao contrário do pessimismo popular, tivemos alguns importantes avanços recentes no combate à corrupção: a delação premiada e a prisão em segunda instância permitiram que operações da Polícia Federal e Ministério Público independentes, munidos de informações financeiras detalhadas, colocassem na prisão grandes nomes da política e do alto empresariado. Ninguém mais rouba com a certeza de impunidade de outrora. Cada um desses avanços concretos, no entanto, está em risco, mas o debate público, a um tempo alarmista e polarizado, parece não ver.

A pauta anticorrupção é, hoje, monopólio da direita. E isso lhe faz mal. Para grande parte da esquerda, incapaz de reconhecer que o PT “abriu a goela” da corrupção nacional, essa bandeira é vista como um ataque aos representantes dos pobres.

À direita, contudo, a luta anticorrupção tem se deixado levar pela demagogia, apostando em heróis que em um ato de voluntarismo nos livrarão de toda a sujeira. Sonhos de uma violência redentora, capaz de purgar nossa essência corrupta e extirpar o câncer, ganham espaço. Enquanto isso, o governo se blinda de qualquer investigação. Cegos pela polarização, não vemos que a briga que nos divide é justamente a ferramenta utilizada pelo que há de pior na classe política para manter seu poder e suas práticas corruptas.

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