Joel Pinheiro da Fonseca

Economista, mestre em filosofia pela USP.

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Joel Pinheiro da Fonseca

Vacinas da mente

Não por acaso a desinformação cresce junto com o acesso à informação

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O sarampo não deveria mais ser um problema para nós. Em 2016, o Brasil recebera da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) o certificado de eliminação do sarampo. E, no entanto, a doença voltou. Primeiro no Norte, depois em São Paulo, e agora o Rio de Janeiro também sofre com um novo surto da doença. E o pior é que não somos só nós: países ricos da América do Norte e Europa também veem seus casos de sarampo aumentarem.

No Brasil, de educação precária, a baixa taxa de vacinação tem muito mais a ver com falta de informação e dificuldade dos serviços do Estado em chegar a todos. Mas o que dizer de países desenvolvidos e com educação de qualidade para todos? Neles, a desinformação —ou seja, conteúdos pseudocientíficos que tentam persuadir as pessoas de que vacinas são nocivas— têm um papel muito maior.

A argumentação antivacina corre pelos mesmos lugares comuns de todo extremismo, político ou não: as instituições que governam a vida em sociedade (Estado, órgãos de imprensa, universidades, grandes empresas) são irremediavelmente corrompidas e divulgam mentiras à população. As terapias alternativas e naturais não são páreo para o lucro da indústria.

Não é coincidência que a desinformação cresça junto com o acesso fácil e rápido das pessoas à informação. É essa abundância de informação e facilidade na comunicação que permite a qualquer um rejeitar os canais institucionais e profissionais e se fechar em uma bolha que apenas reforça aquilo que ela quer que seja verdade, levando ao extremismo.

O que leva alguém a aderir à crença antivacina —ou similares, como o terraplanismo e os extremismos políticos com suas conspirações e fake news— não é um problema intelectual. Não é algo que possa ser sanado com um bom argumento, com uma checagem de fatos, com dados (embora eu goste de crer que um treinamento em pensamento crítico deixaria a pessoa menos suscetível). Quem não quer ser convencido sempre encontrará um motivo para manter a própria crença. “Mas você não sabe que é a indústria farmacêutica que governa a produção científica?”

O problema reside na vontade: no desejo de rejeitar as instituições dominantes na sociedade. É um jeito de afirmar o próprio valor perante uma sociedade que nunca o reconheceu devidamente. O resto —os argumentos que a pessoa repete— é consequência.

Num caso como o da vacina, está bem claro que um lado está certo e o outro errado. E, mesmo assim, não adianta brandir argumentos científicos e credenciais de autoridade. Os dias em que cientistas, professores, jornalistas e outros detentores e divulgadores de informação podiam contar com a boa-fé do público passaram e não voltarão tão cedo. Afirmar a própria autoridade —mesmo que seja legítima— apenas corrói a credibilidade num espaço público em que todos se julgam iguais em conhecimento e entendimento.

É preciso encurtar as distâncias, aproximando o cidadão comum do fazer científico, de seus profissionais, falando numa linguagem que ele entenda e que o faça se sentir parte de um mesmo grande projeto. Mostrar que no laboratório, na redação e na universidade há pessoas como ele e que falam de igual para igual. Se essa confiança básica for perdida, há muitos oportunistas prontos a ludibriá-lo; sempre com argumentos pífios, mas alimentando suas veleidades. A vacina dos corpos pode —e deve— ser compulsória; medida que a Alemanha sabiamente decidiu tomar. Já imunização das mentes depende da cooperação voluntária de ambas as partes.
 

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