Joel Pinheiro da Fonseca

Economista, mestre em filosofia pela USP.

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Joel Pinheiro da Fonseca

Nem mercado nem Estado substituem a ética

Tiranos, oligarcas, pensando apenas em si, degradam a vida em sociedade

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O processo de mercado —pessoas e empresas buscando seu autointeresse por meio do sistema de preços livremente acordados— é a ferramenta mais poderosa que conhecemos para mobilizar a ambição de cada um em prol dos desejos de todos em um mundo de recursos escassos e informação imperfeita.

No mercado, para satisfazer seus próprios desejos, você tem que criar valor para os outros, e lucros e prejuízos indicam se você tem sido capaz de gerar, com os recursos disponíveis, mais ou menos valor do que seus concorrentes.

Como todo e qualquer mecanismo social, contudo, o mercado tem falhas e limitações. Sozinho, ele não dá conta, por exemplo, do problema das externalidades: nossas transações livres impactam terceiros que nunca aceitaram participar delas, inclusive as gerações futuras. Meu carro polui o ar, impondo um custo à cidade que não é pago nem por mim nem pelo fabricante. A sustentabilidade ao longo do tempo exige algum nível de autocontenção dos desejos no presente.

Regras e leis jamais serão capazes de, sozinhas, refrear o desejo humano. Primeiro porque não se pode tomar como garantido que qualquer agente social siga a lei. Se a polícia não está olhando, por que me abster de roubar? E se a lei tiver várias interpretações possíveis, ele tentará se safar seguindo a interpretação mais conveniente. É o que este outro representante perfeito do autointeresse desenfreado, Donald Trump, fez em sua declaração de imposto de renda. Os US$ 70 mil anuais gastos em cortes de cabelo são computados como gastos da empresa. Cada dólar que ele não pagou será custeado pelos demais.

Em segundo lugar, quem tem muito dinheiro ou influência pode deturpar a criação das leis. As empresas que se beneficiarão da "passagem da boiada" do ministro Salles na regulamentação ambiental empurram o país para o colapso ambiental. Não estão nem aí.

O Estado está sujeito à mesma dinâmica: seus membros também precisam ser capazes de refrear, em algum medida, seu autointeresse. Bolsonaro é exemplo perfeito do autointeresse desenfreado na política. Todas as suas ações buscam a popularidade imediata. Como líder, é incapaz de se indispor com o eleitorado em nome de um bem maior futuro. Vimos isso na pandemia: em um momento fingia que o problema não existia; depois, que havia solução mágica e indolor.

Quando o governo, para poder gastar mais agora, anuncia que adiará o pagamento de precatórios e que criará brecha para burlar o teto de gastos, ele está empurrando para o futuro o custo de gastar mais no presente. Quebrou alguma regra? Não necessariamente: só as alterou para se beneficiar.

Regras escritas jamais suplantarão a necessidade de ética e responsabilidade pessoais: a capacidade de frear o próprio autointeresse em benefício dos demais. No mundo empresarial e nas finanças essas virtudes se traduzem em iniciativas como fundos ESG, que investem em empresas com governança social, ambiental e corporativa. Na política, líderes dispostos a respeitar as regras do jogo mesmo que eles percam a partida. A sustentabilidade econômica, social e ambiental de nossa sociedade depende disso.

A ausência de qualquer preocupação ética produz, na economia, a predação desenfreada da natureza e a exploração de outras pessoas. Na política, nos traz à definição clássica da tirania: o poder absoluto exercido em benefício próprio, e não da sociedade. Tiranos, oligarcas, pensando apenas em si, degradam a vida em sociedade, prejudicando a todos no longo prazo. Não há mercado ou Estado que possa subsistir sem valores.

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