Joel Pinheiro da Fonseca

Economista, mestre em filosofia pela USP.

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Joel Pinheiro da Fonseca

Nas urnas, a vitória é brasileira

Em termos de mecânica democrática, o Brasil dá de 7x1 nos EUA; nossa urna eletrônica é simples, segura e rápida na apuração

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Aguardamos ansiosos o início da apuração americana na noite desta terça-feira (3). Muitos brasileiros torcem por Biden, que as pesquisas dão como favorito. Só não abra o champanhe ainda. Ninguém ganha eleição de véspera. E, além disso, o gás já vai ter acabado quando o resultado definitivo for finalmente computado e oficializado.

Em termos de mecânica democrática, o Brasil dá de 7x1 nos EUA. Nossa urna eletrônica é simples, segura e rápida na apuração. A Justiça Eleitoral garante que a organização e contagem dos votos fique acima das disputas políticas.

Assim que se contabilizam os resultados, resta aos candidatos apenas aceitar. Bolsonaro bem que tentou atacá-las, mas até agora o populismo brasileiro foi inócuo contra a confiança nas urnas.

Placa com a bandeira dos Estados Unidos e a palavra Vote; ao fundo, mulher encostada em balcão
Eleitora americana vota na cidade de Lansing, no estado de Michigan - John Moore/Getty Images/AFP

Nos EUA, a coisa é diferente. O sistema eleitoral descentralizado, com regras do século 18 e que fica nas mãos da política local é prato cheio para o populismo. As dificuldades impostas para se registrar como eleitor e o fato de se ter que votar em dia de semana —sem justificar a falta no trabalho— dificultam o voto para os mais pobres (não raro, negros) em muitos estados.

A cédula em papel torna tudo muito mais demorado, sem falar na maior probabilidade de erro na hora de preenchê-las. O resultado é menos abrangente, menos representativo e mais sujeito a erros.

Até o nosso voto obrigatório cumpre uma função positiva: temos participação altíssima da população para padrões globais (lembrando que a “punição” para quem não vota é quase inexistente, uma multa de poucos reais). Não duvido que a ideia da obrigatoriedade, somada ao bom funcionamento dos dias de votação, serviu para incutir uma cultura de voto.

O domingo de eleição tem uma solenidade própria, e nosso ritual cívico não pesa quase nada sobre a população. E enfraquece o peso do eleitorado mais fanatizado, que faria questão de votar com ou sem obrigatoriedade e seria mais disposto a aceitar os arroubos populistas do seu político de estimação.

A relutância faceira de Trump em dizer se aceitaria ou não uma derrota nas urnas desmoraliza o sistema. Se no topo da hierarquia reside um desprezo tão aberto pelas regras que garantem seu funcionamento, o que dizer das engrenagens humildes que o operam no dia a dia, compostas também de pessoas dotadas de ideologia e ambições pessoais?

As imperfeições do sistema eleitoral nem de longe justificam sua atitude, mas alimentam o ceticismo generalizado de que ele depende.

Zonas cinzentas são terreno fértil para o populismo. Há alguma falha? Então tudo pode ser melado. Os republicanos querem até mesmo invalidar a totalidade dos votos por correio. Tudo que puder ser judicializado, será. Em alguns casos, a tática pode funcionar.

Mesmo que Biden vença, se o resultado das urnas lhe der uma vantagem muito magrinha, o presidente fará de tudo para melar o jogo. Especificamente, se Trump ganhar no voto presencial, mas a soma com os votos por correio der a vitória a Biden, ninguém sabe o que acontecerá; apenas que a briga será muito suja.

Apesar de tudo, acredito na resiliência da democracia americana. Se Biden vencer nos votos de delegados, não há manobra judicial que mantenha Trump no poder. Há de haver algum senso cívico acima de paixões faccionalistas no Judiciário. Mas ele não é eterno.

Por isso mesmo a vitória de Biden seria importante. Ele não encanta muita gente, mas é o que o país precisa: decência no debate público, espírito cívico. Nem a democracia mais antiga do mundo aguenta os ataques histriônicos de um líder populista indefinidamente.​

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