Joel Pinheiro da Fonseca

Economista, mestre em filosofia pela USP.

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Joel Pinheiro da Fonseca

O Sleeping Giants no limiar do bem e do mal

Furor popular não costuma ser bom juiz, nem para separar culpados de inocentes nem para dosar e aplicar as penas

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A revelação de que por trás do perfil de redes sociais Sleeping Giants Brasil há apenas um jovem casal paranaense de 22 anos —sem grande fortuna ou poder— deixou muitos da extrema direita se contorcendo de raiva. Como pode? Não é um grande plutocrata, um George Soros, ou ao menos um Felipe Neto?

É, contudo, perfeitamente plausível dado o funcionamento das redes: pessoas sem grandes conexões ou recursos são capazes de mobilizar uma maré humana. A mesma direita que celebra o advento das redes sociais como a libertação da opinião pública da grande mídia (supostamente esquerdista) agora fica indignada quando o poder das redes é usado em sentido contrário.

A arma do Sleeping Giants é singela: ele apenas identifica empresas cujos anúncios aparecem em sites de fake news e informa publicamente essas empresas, cobrando uma atitude. Será que elas querem mesmo estar associadas a conteúdo extremista? Isso é o bastante para que muitas parem de anunciar nesses sites. E, assim, seca uma fonte de financiamento de tantos blogueiros e milícias digitais.

O boicote é o resultado de uma série de ações que, em si mesmas, são inquestionavelmente legítimas.
Toda empresa tem o direito de escolher não pagar dinheiro para aparecer num site, por qualquer motivo que seja; ainda mais se for um site extremista e mentiroso. Nesse caso, além da óbvia motivação comercial (não se associar a algo que pode danificar a reputação da empresa), há também um componente ético.

Se empregado sem limites por um público consumidor intolerante, contudo, o boicote se converte facilmente numa arma contra a liberdade de expressão. Imagine se, num surto pseudocristão de nossa sociedade, as empresas tivessem medo de anunciar em qualquer site ou jornal laico. Os CEOs nem precisam ser particularmente religiosos: só o medo de perder clientes já bastaria. E eis que todo jornal ou site deste país precisará começar seus editoriais com "Deus seja louvado!". Não seria um cenário propício ao pensamento livre.

O Estado não é o único inimigo possível da liberdade de expressão. Os desejos do mercado, tornados em critério absoluto, também podem ser totalitários. Hoje o boicote intempestivo pune práticas e crenças que você julga execráveis; amanhã, poderá punir aquelas que você aprova.

E o Sleeping Giants não para no simples boicote publicitário. Seus pedidos se estendem a plataformas de pagamentos, como o PayPal.

Impedir que um formador de opinião receba o dinheiro que seus espectadores desejam pagar por seu conteúdo é já um degrau acima na escala do boicote. Qual o próximo passo? Exigir que redes de supermercado se neguem a vender comida a blogueiros de extrema direita? Sempre lembrando que, embora haja casos em que seja fácil identificar fake news e desinformação intencional, outros ficam numa zona cinzenta cuja classificação pode variar de acordo com a boa ou má vontade do avaliador. E haverá casos em que pessoas perfeitamente inocentes serão alvo da mesma máquina destruidora.

Limpar as redes da barulheira de fake news e extremistas é um belo serviço que o Sleeping Giants nos oferece.

Mas o seu meio de ação é perigoso, a ser usado sempre com cautela. O furor popular não costuma ser bom juiz, nem para separar culpados de inocentes nem para dosar e aplicar as penas. É no momento em que nos sentimos mais moralmente justificados que cometemos as piores injustiças.

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