Joel Pinheiro da Fonseca

Economista, mestre em filosofia pela USP.

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Joel Pinheiro da Fonseca

Ninguém quer o segundo turno dos pesadelos, mas caminhamos para ele mesmo assim

Estamos tão viciados na dicotomia Bolsonaro-PT que não largamos dela

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Em breve descobriremos se a decisão do ministro Fachin de anular quatro processos contra Lula por um erro de jurisdição (que já tinha sido discutido no passado) veio a favor ou contra Lula, a favor ou contra Moro, para salvar ou matar a Lava Jato.

Tudo está em aberto, a depender da velocidade do tribunal do Distrito Federal e da segunda instância. Se os julgamentos demorarem, a vitória é de Lula, que concorrerá em 2022. Se forem rápidos, Lula voltará a ser ficha-suja, dessa vez sem a esperança de uma reversão graças à suspeição de Sergio Moro. Uma decisão judicial deveria ser completamente alheia à política. Mas a instabilidade, arbitrariedade e casuísmo das decisões no Brasil obrigam que a gente as interprete apenas dessa maneira.

Seja como for, essa reviravolta monocrática, ainda que coloque tudo de volta no mesmo lugar, reacendeu nos corações e mentes aquela suspeita chata, que buscamos afastar e que, como uma mosca, se recusa a ir embora: a de que, em 2022, ficaremos entre Bolsonaro e PT.

Os males de Bolsonaro dispensam apresentação. Estamos há dois anos sob o governo mais inepto que este país já viu, com um presidente que é fonte constante de instabilidade e ataques às instituições. Educação, saúde pública e meio ambiente jogados ao fogo; o Brasil, um pária internacional; o debate público envenenado por mentiras numa escala inédita; perseguição à imprensa; a tal agenda de reformas já com o pé na cova.

Lula, por sua vez, traz um PT não só sem a famosa “autocrítica”, mas empedernido em seus piores crimes. Pelo discurso partidário, não houve mensalão nem corrupção na Petrobras ou junto às empreiteiras. Foi tudo uma criação da mídia e da direita e chegou a hora da desforra. Nas propostas, é populismo na veia: da economia ao controle da mídia.

É quase impensável Bolsonaro não ir pro segundo turno. Vivemos o pior momento da pandemia em que, sem figura de linguagem, Bolsonaro matou ao menos dezenas de milhares de pessoas. Se os seus 30% não o abandonaram até agora, é preciso muita fé para imaginar que o abandonarão depois. A chance de impedir o Bolsonaro-PT, portanto, está em alguém superar o candidato do PT no primeiro turno.

Pelo que as pesquisas mostram, há uma chance. Se o voto da esquerda for fragmentado e o centro se unificar em um candidato (que concentre os votos hoje pulverizados entre Moro, Doria, Mandetta, Huck) há um caminho para alguém de fora da polarização ir para o segundo turno. Outro caminho é Ciro conseguir alguns votos do centro e conquistar parte da esquerda que iria para o candidato do PT. Só não é provável.

Se Lula for candidato, fica ainda mais difícil. Lula concentra os votos que estariam dispersos na esquerda. Isso mata a chance de um nome de centro-esquerda como Ciro. Bolsonaro também se fortalece com Lula candidato, o que dificultará a vida dos demais nomes de centro.

O nome que poderia mais naturalmente se colocar ao mesmo tempo contra Lula e Bolsonaro e ainda reivindicar o legado da Lava Jato —hoje enterrada por uma combinação dos três Poderes— é Sergio Moro, mas ele parece determinado a se omitir do debate político.

PT e Bolsonaro, se acontecer, não será uma escolha difícil. Cada um de nós já sabe muito bem como votaria. Mas colocar-nos nessa escolha já é uma derrota. Estamos tão viciados na dicotomia e tão descrentes de qualquer terceira via que não largamos dela. Guiamos para o precipício, vemos o precipício na nossa frente, mas não mudamos a rota.

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