Dizia uma suposta manchete de uma conta no Twitter: “#URGENTE - Itamaraty concede passaporte diplomático e Pazuello viaja para os EUA. Assessoria do ex-ministro informa que ‘não há data definida para retorno’”. Diversos perfis de jornalistas, PhDs, perfis verificados e homens de boa vontade em geral passaram a compartilhá-la.
Tudo bem que a notícia não era tão inverossímil assim. Na verdade, repete com perfeição o que já vimos acontecer neste governo (ex: o ex-ministro Weintraub, que fugiu para um cabide de emprego nos EUA). A conta, além disso, trazia o nome G1 e imitava a aparência da página de jornalismo. Mas era fake news. E a página que a postara, um perfil de humor (@cotore).
No caso, a intenção não era desinformar o público, mas apenas fazer uma brincadeira: enganar pessoas sérias, levando-as a compartilhar precipitadamente a informação. Logo na sequência, elas têm que lidar com o vexame de terem caído num fake. No caso de jornalistas, a humilhação é ainda maior, posto que vêm deles as mais insistentes lições sobre a necessidade de sempre se checar a informação, sobre os males de se repassar fake news etc.
Todo mundo já repassou alguma fake news. Especialmente se ela vem fantasiada de jornal crível. Elas enganam mesmo, e posso dizê-lo porque também já caí. O caso em si é irrelevante, mas serve para ilustrar como funciona o mecanismo, dentro de nós, que torna mesmo pessoas muito bem formadas em presas fáceis.
Compartilhamos uma notícia falsa não por uma falha intelectual, e sim por um afobamento do desejo. Uma notícia que desabone meus adversários é um prato cheio para o meu ego. Comprova que eu sempre estive certo e cairá como uma pedrada fulminante na cabeça de quem está do outro lado. Pazuello fugiu? Agora é que esses bolsonaristas idiotas vão ver!
Quando se descobre, poucos minutos depois, que o petardo decisivo era fake news (e um clique teria bastado para comprová-lo), a humilhação é inevitável. Nesse momento, o melhor é deletar e pedir desculpas pelo descuido. Apenas apagar e fingir que nada aconteceu é pedir para que o vacilo circule ainda mais (e sim, alguém tirou um print comprometedor naqueles poucos minutos que o post ficou no ar).
Alguns mais exaltados, indignados com a página que tão bem engana gente séria, pedem que ela seja fechada. Eu penso que a paródia tem seu lugar. O tropeço ocasional nos ajuda a manter a cabeça no lugar; a temperar a paixão com mais prudência e humildade.
Brincadeiras à parte, passemos ao mundo das fake news de verdade, aquelas feitas para desinformar mesmo, com má-fé criminosa em sua elaboração. Por alguns dias, milhares e milhares de pessoas compartilharam a informação de que uma das mães dos mortos na favela do Jacarezinho (RJ), que apareceu chorando na Rede Globo, tinha sido filmada tempos antes dançando e segurando um fuzil. Ou seja, por trás da fachada de luto e indignação, haveria uma cínica aliada do crime organizado.
Segundo apurou-se ontem, a própria Polícia Civil do Rio desmente a informação: a mulher segurando o fuzil não é a mãe do jovem morto no Jacarezinho. Por uma fake news, milhares de direitistas brasileiros caluniaram uma mãe que acaba de perder o filho, sujeitando-a ainda a uma onda de ataques e até ameaças de morte. Mas como foi gostoso lacrar em cima da esquerdalha!
Na briga política, cada um se sente lutando numa cruzada pelos valores mais puros. É aí que ele mais facilmente se desumaniza.
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