Joel Pinheiro da Fonseca

Economista, mestre em filosofia pela USP.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Joel Pinheiro da Fonseca

Quem já caiu em fake news?

Compartilhamos notícia falsa não por falha intelectual, mas por afobamento do desejo

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Dizia uma suposta manchete de uma conta no Twitter: “#URGENTE - Itamaraty concede passaporte diplomático e Pazuello viaja para os EUA. Assessoria do ex-ministro informa que ‘não há data definida para retorno’”. Diversos perfis de jornalistas, PhDs, perfis verificados e homens de boa vontade em geral passaram a compartilhá-la.

Tudo bem que a notícia não era tão inverossímil assim. Na verdade, repete com perfeição o que já vimos acontecer neste governo (ex: o ex-ministro Weintraub, que fugiu para um cabide de emprego nos EUA). A conta, além disso, trazia o nome G1 e imitava a aparência da página de jornalismo. Mas era fake news. E a página que a postara, um perfil de humor (@cotore).

No caso, a intenção não era desinformar o público, mas apenas fazer uma brincadeira: enganar pessoas sérias, levando-as a compartilhar precipitadamente a informação. Logo na sequência, elas têm que lidar com o vexame de terem caído num fake. No caso de jornalistas, a humilhação é ainda maior, posto que vêm deles as mais insistentes lições sobre a necessidade de sempre se checar a informação, sobre os males de se repassar fake news etc.

Todo mundo já repassou alguma fake news. Especialmente se ela vem fantasiada de jornal crível. Elas enganam mesmo, e posso dizê-lo porque também já caí. O caso em si é irrelevante, mas serve para ilustrar como funciona o mecanismo, dentro de nós, que torna mesmo pessoas muito bem formadas em presas fáceis.

Compartilhamos uma notícia falsa não por uma falha intelectual, e sim por um afobamento do desejo. Uma notícia que desabone meus adversários é um prato cheio para o meu ego. Comprova que eu sempre estive certo e cairá como uma pedrada fulminante na cabeça de quem está do outro lado. Pazuello fugiu? Agora é que esses bolsonaristas idiotas vão ver!

Quando se descobre, poucos minutos depois, que o petardo decisivo era fake news (e um clique teria bastado para comprová-lo), a humilhação é inevitável. Nesse momento, o melhor é deletar e pedir desculpas pelo descuido. Apenas apagar e fingir que nada aconteceu é pedir para que o vacilo circule ainda mais (e sim, alguém tirou um print comprometedor naqueles poucos minutos que o post ficou no ar).

Alguns mais exaltados, indignados com a página que tão bem engana gente séria, pedem que ela seja fechada. Eu penso que a paródia tem seu lugar. O tropeço ocasional nos ajuda a manter a cabeça no lugar; a temperar a paixão com mais prudência e humildade.

Brincadeiras à parte, passemos ao mundo das fake news de verdade, aquelas feitas para desinformar mesmo, com má-fé criminosa em sua elaboração. Por alguns dias, milhares e milhares de pessoas compartilharam a informação de que uma das mães dos mortos na favela do Jacarezinho (RJ), que apareceu chorando na Rede Globo, tinha sido filmada tempos antes dançando e segurando um fuzil. Ou seja, por trás da fachada de luto e indignação, haveria uma cínica aliada do crime organizado.

Segundo apurou-se ontem, a própria Polícia Civil do Rio desmente a informação: a mulher segurando o fuzil não é a mãe do jovem morto no Jacarezinho. Por uma fake news, milhares de direitistas brasileiros caluniaram uma mãe que acaba de perder o filho, sujeitando-a ainda a uma onda de ataques e até ameaças de morte. Mas como foi gostoso lacrar em cima da esquerdalha!

Na briga política, cada um se sente lutando numa cruzada pelos valores mais puros. É aí que ele mais facilmente se desumaniza.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.