Joel Pinheiro da Fonseca

Economista, mestre em filosofia pela USP.

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Joel Pinheiro da Fonseca

A quem interessa ser contra as vacinas?

Desacreditar os imunizantes vai ao encontro do discurso do governo federal

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Um experimento singelo tomou as redes. Diversas pessoas gravaram o seguinte vídeo depois de tomar uma dose da vacina da Pfizer: colocam algum pequeno objeto de metal na área da injeção e —inacreditável!— o objeto não cai, fica parado no braço como se uma força magnética o prendesse.

Em um vídeo particularmente chocante, uma mulher apoia um celular grande ,com um ímã na parte traseira, nos braços de seus pais idosos, e o celular fica ali, suspenso.

Seria apenas algo folclórico se não fosse um lado mais sombrio dessa história. No próprio vídeo da moça que prende o celular nos braços dos pais, ela dá a única conclusão possível: “A vacina vem com microchips que são magnéticos”. Ou seja, a vacina da Covid na verdade faz parte de algum plano maligno.

Na realidade, o efeito magnético não existe. A força que mantém moedinhas e clipes presos no braço não é o magnetismo, e sim a umidade da pele. Passando um talco na região, o efeito desaparece. Os vídeos mais mirabolantes são falsificações para conseguir audiência ou ajudar na causa antivacina. Mas não adianta tentar corrigir a mentira que já se alastrou.

A maioria das pessoas que se filmaram não era antivacina. Pelo contrário, era gente que tinha acabado de se vacinar! E mesmo assim o poder de sugestão da tese oposta —o medinho de algo “estranho” com as vacinas— se fez confirmar com a maior facilidade.

Na maior parte do tempo, não somos particularmente racionais. Mesmo quando queremos testar uma hipótese por nós mesmos, e mesmo quando esse teste é de algo visível e imediato, somos capazes de viciar nosso juízo e chegar a conclusões erradas.

Sabendo disso, não é de se estranhar que tantos jurem que foi a cloroquina que os salvou da Covid (ou, em casos mais extremos e reais, a aplicação anal de gás ozônio ou a exposição a faíscas de maçarico de solda). As redes sociais se prestam à volta do curandeirismo.

E quem dera isso fosse o fruto apenas de milhares de erros inocentes. Não é. Há interesses políticos por trás do discurso antivacina.

No domingo, o blogueiro bolsonarista Allan dos Santos disse que o jogador dinamarquês Christian Eriksen, que teve uma parada cardíaca durante um jogo, tinha tomado a vacina da Pfizer dias antes. A informação era falsa. Mais uma vez, um ataque às vacinas baseado em mentiras. Dessa vez, vindo de um dos principais comunicadores do bolsonarismo.

Desacreditar as vacinas vai ao encontro do discurso do governo federal. Afinal, Bolsonaro militava contra a vacinação e propunha a imunidade de rebanho espontânea. Para quem tivesse sintomas graves, cloroquina. Chegou ao ponto de celebrar a morte de um voluntário dos testes da Coronavac. Se o assunto era vacina, a única coisa que importava a Bolsonaro era defender o sacrossanto direito de quem não queria se vacinar.

Agora o governo federal já corre atrás das vacinas, mas se algo desse errado com elas isso seria bom para o presidente. Bolsonaro poderia encher a boca para dizer “não avisei?”.

De maneira geral, toda e qualquer maneira de desacreditar o conhecimento é bem-vinda, pois contribui para o ataque ao “sistema” global: à imprensa, à ciência, às leis.

Um presidente como Bolsonaro só se justifica se o mundo for uma grande conspiração contra o homem comum. Se, ao contrário, essas instituições tiverem falhas mas forem melhores que as alternativas propostas pelo bolsonarismo —os vídeos das redes sociais, os posts de Allan dos Santos, as teorias do chip— daí temos um problemaço em mãos.

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