Joel Pinheiro da Fonseca

Economista, mestre em filosofia pela USP.

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Joel Pinheiro da Fonseca
Descrição de chapéu Facebook instagram

O que Caetano Veloso tem a nos ensinar sobre as redes sociais?

Plataformas nos deixaram mais do que nunca à mercê de podres poderes

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Enquanto escrevo esta coluna, as redes e serviços do grupo Facebook (o próprio Face, o Instagram e o WhatsApp) voltam aos poucos a funcionar, após quase seis horas fora do ar.

Parece que a coisa foi grave. A queda simultânea das três plataformas é mais um alerta do perigo da concentração de mercado. Se Instagram, Facebook e Whatsapp não fossem do mesmo grupo, não teriam todos caído ao mesmo tempo. Mark Zuckerberg, assim como outros donos de redes e plataformas, tem poder demais nas mãos; e, quando falha, nos deixa na mão.

Anjos Tronchos” é o nome que Caetano Veloso dá aos chefões do Vale do Silício em sua nova canção, cujos versos expõem diversas facetas do impacto das redes sociais no mundo, nem sempre para o bem. Explorando a fragilidade de nossos neurônios com o poder dos algoritmos, somos viciados e comercializados para o acúmulo de seus “mi, bi, trilhões”.

E nisso a sociedade se transforma. A Primavera Árabe —citada na música— é o primeiro grande evento em que as redes tiveram papel determinante.

E todo aquele idealismo inicial desembocou no horror, na medida em que os jovens idealistas, tendo derrubado as velhas ditaduras, agora optavam pelo islamismo político e pela guerra sectária. E não foi só no Oriente. Entre nós, as redes serviram de trampolim para “palhaços líderes”, “munidos de controles totais”.

Logos de Facebook, WhatsApp e Instagram, que ficaram fora do ar nesta segunda (4)
Logos de Facebook, WhatsApp e Instagram, que ficaram fora do ar nesta segunda (4) - Dado Ruvic/Reuters/Illustration

O mais desesperador, contudo, é pensar que, embora poderosos demais, nem mesmo esses anjos consigam controlar os processos sociais deslanchados pelas redes que criaram.

As fake news de Trump e Bolsonaro, as loucuras antivacina, as teorias da conspiração delirantes que se tornam cada dia mais comuns; os algoritmos perversos das redes podem até ter ajudado a impulsionar tudo isso, mas o fato é que não foram eles os motores.

O Facebook inclusive investiu em ações para reduzir o avanço de notícias falsas e desinformação na pandemia, mas constatou em pesquisa interna que o resultado deixou a desejar. Quem leva a desinformação, as fake news e o ódio adiante são os próprios usuários.

A prova disso é o WhatsApp, veículo preferencial de desinformantes, e no qual nenhum algoritmo determina o que chega ou não até você, e sim a sua decisão de manter contatos e grupos.

O fim dos limites à comunicação destroçou nossa capacidade social de distinguir o verdadeiro e o falso: se cada um escolhe sua verdade, ela deixa de existir. “Que nuvem, se nem espaço há/ Nem tempo, nem sim nem não/ Sim: nem não”.

E esse é o dilema para Zuckerberg e demais anjos tronchos: limitar o mau uso das redes é barrar o uso que as pessoas efetivamente querem fazer delas.

E, se ele optar por isso —isto é, se em nome da informação responsável ele limitar as escolhas de seus consumidores—, ele a deixará menos atrativa para os usuários. O Facebook já tem de lidar com sua incapacidade de atrair usuários mais jovens. A percepção de que é uma rede social “de velho” pegou forte. E corre o risco de perder também a direita, que busca depender menos do WhatsApp e migra para o Telegram (Bolsonaro incluso).

As redes abriram oportunidades inéditas e francamente revolucionárias para o indivíduo, seja para estabelecer conexões (“Ah, morena bela, estás aqui"), seja no consumo de cultura (ouvir “Shoenberg, Webern, Cage”), seja em sua produção (“Miss Eilish faz tudo do quarto com o irmão”). Coletivamente, contudo, nos deixaram mais do que nunca à mercê de podres poderes.

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