Joel Pinheiro da Fonseca

Economista, mestre em filosofia pela USP.

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Joel Pinheiro da Fonseca
Descrição de chapéu LGBTQIA+

Justiçamento das redes tem empresas de joelhos e punição máxima sem recurso

É uma saída fácil fechar a discussão dizendo que o jogador está arcando com as consequências de suas palavras

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O enredo já é comum. Dessa vez foi com o jogador de vôlei Maurício Souza. Ele fez um post homofóbico em sua rede social. Não continha injúria direta a ninguém nem ameaça nem incitação a qualquer violência; mas basicamente dava a entender que a representação de um beijo gay numa história em quadrinhos traria consigo perigosas consequências sociais. Era, enfim, preconceituoso, e não há por que defendê-lo.

O post gerou indignação. A indignação, comoção popular nas redes exigindo a demissão do jogador. Inicialmente, ele tentou contornar a situação com um tímido (e, ao que tudo indica, insincero) pedido de desculpas. Mas a pressão social chegou às empresas patrocinadoras do Minas Tênis Clube, que ameaçaram retirar o patrocínio caso o jogador continuasse na equipe. Ele foi, enfim, demitido. E aqui estamos nós de novo discutindo o "cancelamento".

Cabe notar que toda a história até agora se deu no âmbito estritamente privado de relações voluntárias. O Estado não entrou em jogo. Cada um dos participantes —o jogador ao publicar seu post, as empresas ao ameaçarem retirar o patrocínio e o clube ao demitir o jogador— agiu dentro de seu direito legal. Mas isso não significa que suas ações tenham sido corretas, ou que não poderiam ter sido melhores.

É uma saída fácil fechar a discussão dizendo que o jogador está arcando com as consequências de suas palavras. De fato, ele está. Mas essa descrição da realidade escamoteia a pergunta relevante: será que as tais "consequências" são justas?

Essas consequências não são, afinal, um dado natural como uma lei de Newton, mas o produto de decisões humanas, que podem errar. Aliás, todo o nosso complexo sistema judicial existe precisamente porque o justiçamento popular erra muito: avalia mal os fatos, exagera na medida da pena e a aplica desigualmente a pessoas diferentes.

Hoje em dia, no justiçamento das redes, a regra é a punição máxima, imediata e sem possibilidade de recurso: a perda da reputação e do emprego. Grande parte das empresas fica de joelhos perante qualquer mobilização da opinião pública, com medo de danificar a imagem da marca.

Além de nem sempre justo, o juiz da opinião pública —que inclui as decisões empresariais feitas por pressão dela— não é isonômico em seus julgamentos. Dependendo de quem for, o delito pode receber penas brandas.

É o caso do ator José de Abreu, que reiteradamente cometeu e promoveu ataques machistas, chegando mesmo a ecoar ameaças. Recebeu, sim, alguma pressão popular e veio a público se desculpar. Mas em nenhum momento nem sequer foi cogitado tirar-lhe o emprego. Por que o mesmo não foi feito com Maurício Souza?

Essa punição avassaladora, ademais, gera uma reação social contrária. No passado, a estratégia de banir um indesejável (justa ou injustamente) para o ostracismo do debate público era uma sentença final. Fechava-se a pessoa no porão do silêncio e ela jamais sairia. Hoje o porão tem voz e chega tão longe quanto a opinião registrada, certificada e sanitizada pelo sistema.

Maurício Souza tinha suas centenas de milhares de seguidores nas redes. Depois da polêmica, já passou de 2,6 milhões (e deve aumentar ainda mais), sem falar no apoio de políticos e influenciadores famosos. Já está se cacifando para ser comentarista político em algum meio da direita. Ou quem sabe deputado federal.

A falta de medida de um lado só agravou o mal do outro, tornando-o reativo e orgulhoso; quiçá até o recompensando. Sem misericórdia, ficamos também sem justiça.

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