Joel Pinheiro da Fonseca

Economista, mestre em filosofia pela USP.

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Joel Pinheiro da Fonseca
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O jornalismo está envelhecendo mal?

A boa imprensa tem que ser capaz de filtrar o que há de bom e relevante no debate público, que hoje já não depende dela como antes

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Descobri, surpreso, lendo o artigo de Marilene Felinto, que o público-alvo da Folha é a "plateia de direita". No meu tempo na Jovem Pan ouvia diariamente que a Folha era um jornal esquerdista, quando não comunista. Seja quem você for, a Folha é contra. Felinto opinou também que a Folha está envelhecendo mal.

Não é porque se está irritando os dois lados que se está fazendo algo certo. A pura cretinice também pode desagradar a todos. Mas, hoje em dia, um jornal que esteja cumprindo seu papel certamente irá irritar a todos os lados.

Registro da redação da Folha durante período de pandemia - Adriano Vizoni - 1º.jul.21/Folhapress

Estamos mal acostumados pelas redes sociais. Elas são excelentes em nos dar aquilo que queremos: informação feita sob medida para nossos desejos. E, infelizmente, em nosso consumo de informação, o desejo de conhecer a realidade —doa a quem doer—, embora não seja zero, está longe de ser a única prioridade.

Sendo assim, a capacidade das redes de nos entregar estritamente o que queremos garante-nos uma dieta em que nossas convicções são sempre confirmadas e até tornadas mais radicais.

Antigamente, isso só valeria para quem vivia nos mais profundos antros de militância. Hoje, é a realidade cotidiana da maioria; pessoas que há dez anos jamais se interessariam por política hoje consomem conteúdo extremista da hora em que levantam até se deitar.

Já um veículo de imprensa sério buscará a objetividade, utopia nunca plenamente alcançável. Como a realidade não tem partido, ora sendo favorável a um, ora a outro, todo mundo encontrará muito o que o irrite.

No campo das opiniões, o cenário também se transformou. Antes, poucos tinham acesso aos megafones que mídia possuía. Com as redes sociais, todos têm. E, assim como nas notícias, nosso consumo de opiniões se guia mais pelo que reafirma nossas conclusões do que pelo que nos apresenta bons argumentos ou análise.

Nas redes não existe um processo para produzir e validar conhecimento. Também não importam o tempo de estudo ou a seriedade da obra. Ela é uma plataforma horizontal em que todo mundo está munido, igualmente, de sua opinião.

A imprensa é impactada por isso. Se antes ela exercia um verdadeiro poder de peneirar quem tinha ou não tinha acesso ao debate público, agora ela tem que expandir sua rede para captar o que aparece fora dela, mesmo que isso cause horror na opinião estabelecida.

A boa imprensa tem que ser capaz de filtrar o que há de bom e relevante no debate público, que hoje já não depende dela como antes. Neste momento de polarização, isso também irrita a todos os lados.

A evolução que Felinto ou qualquer partidário espera de um jornal é a adesão integral à sua ideologia, posto que é a única compatível com a democracia, a liberdade de expressão e o desejo pelo bem comum.

Uma das características principais da polarização é que o adversário no debate deixa de ser visto como um interlocutor legítimo, ainda que equivocado, e passa a ser defensor de interesses inconfessáveis.

É a coisa mais preguiçosa rotular um texto do qual se discorde com alguma intenção indefensável. Criticou o Estado de Israel? Antissemita. Criticou ortodoxias do movimento negro? Racista.

O mais pernicioso é que esse vício intelectual se instala na mente com a roupagem de virtude, de postura corajosa que não faz concessões ao mal.

A imprensa está envelhecendo mal? Não há dúvida de que a crise econômica do setor ocasionada pelas redes (é difícil competir com informação gratuita facilmente disponível e sob medida para o usuário) reduz as possibilidades de qualquer empresa que faça jornalismo. Ao mesmo tempo, não fosse por ela, estaríamos num caminho sem volta para tribalização total da sociedade.

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