Joel Pinheiro da Fonseca

Economista, mestre em filosofia pela USP.

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Joel Pinheiro da Fonseca
Descrição de chapéu jornalismo

Reações à ironia revelam pontos sensíveis no debate da liberdade de expressão

Não fazer nada para tolher alguns excessos é permitir que a mentira e o extremismo tomem conta do debate público

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Não foram poucos os alertas que circundaram minha coluna da semana passada: foi-me avisado inúmeras vezes que grande parte do público não entende ironia. Naquele texto, parti de ressalvas razoáveis à liberdade de expressão irrestrita e cheguei, passo a passo, à defesa da censura prévia total exercida por um conselho de notáveis.

Fui massacrado, acusado de ser um comunista defensor de ditaduras. Príncipes de duas famílias reais lideraram o coro: Luís Philippe de Orleans e Bragança e Carlos Bolsonaro. O texto suscitou respostas e comentários tanto no jornal como fora dele, nas redes, por colunistas da casa: Thiago Amparo, Leandro Narloch, Lygia Maria. E o coroamento se deu na coluna do ombudsman do jornal, José Henrique Mariante. Para ele, o texto tinha um tom beligerante. Mas a beligerância esteve toda nas reações a ele, e não foi à toa.

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Redes sociais criam regras para diminuir propagação de fake news - Unsplash

Ao contrário do parecer unânime dos críticos, fiquei muito satisfeito com o resultado, que superou minhas expectativas. É parte do objetivo de um texto irônico que sua ironia não seja entendida por boa parte dos leitores, que ficarão furiosos ou, em alguns casos, aplaudirão o escrito. A reação só ocorreu porque o tema é relevante: as novas tecnologias de comunicação provocam os limites da liberdade de expressão.

Demos um megafone na mão de cada cidadão. E o que engaja mais atenção não é necessariamente o melhor, o mais profundo ou o mais verdadeiro. Infelizmente, dada a psicologia humana, a realidade complexa é muito menos apetecível do que mentiras e distorções feitas sob medida para confirmar nossas crenças e desejos.

Não fazer nada para tolher alguns excessos é permitir que a mentira e o extremismo tomem conta do debate público. Por outro lado, tentar amordaçar o debate, levando-o de volta ao status quo pré-redes, coloca-nos no caminho da distopia totalitária.

E não é que alguns, ao se depararem com uma imagem dessa distopia, gostaram do que viram? No mínimo, isso deveria suscitar alguma reflexão interna. É na certeza de se travar uma guerra santa que se cometem os piores pecados.

Ao dar mais poder aos indivíduos, as redes enfraqueceram as instituições que costumavam detê-lo: imprensa e academia. Mas isso não os torna obsoletos. Torna-os ainda mais importantes, desde que saibam como se colocar. O papel da imprensa segue fundamental: buscar incansavelmente a objetividade dos fatos e, no campo das opiniões e interpretações desses fatos, permitir uma pluralidade de vozes com relevância e qualidade.

As próprias redes têm se preocupado em criar regras para coibir a desinformação. As medidas incluem desde ações mais brandas, como colar um aviso de conteúdo duvidoso, indicar links para informação confiável e apoiar agências de checagens, até atos mais duros como limitar o alcance de postagens e perfis, deletar posts e até mesmo banir usuários.

Da mesma forma, a imprensa deve estar disposta a expandir sua pluralidade, desafio que a Folha tem bancado. Um artigo longo ou uma entrevista em profundidade e com questionamentos, pelos seus próprios formatos, convidam à reflexão e não ao extremismo, diferentemente de um meme, uma manchete enganosa ou um vídeo exaltado. Mais do que querer banir opiniões, aqueles indignados com más ideias têm que se habituar a respondê-las eficazmente, inclusive com ironia quando julgarem necessário.

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