Joel Pinheiro da Fonseca

Economista, mestre em filosofia pela USP.

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Joel Pinheiro da Fonseca

O Telegram tem o direito de ignorar a Justiça brasileira?

Quem disser que uma empresa pode ignorar decisões judiciais, quer a anarquia

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O purismo na defesa de um valor presta um desserviço à concretização desse valor no mundo real. Vejo liberais indignados com a decisão de Alexandre de Moraes de suspender o Telegram. Dizem que é censura, que um aplicativo de mensagens usado por tantos milhões de brasileiros não pode ser simplesmente suspenso só porque alguns o utilizam para crimes.

É inegável que o país todo sairia perdendo se o aplicativo de mensagens e listas de transmissão fosse banido. Para ficar num exemplo, lembrado por Jorge Pontual na Globo News, grande parte das informações sobre a guerra na Ucrânia chegam a nós via Telegram.

O problema é que também há grupos criminosos operando na plataforma. Pedofilia, neonazismo, complôs antidemocráticos, tráfico de drogas. Isso faz com que a Justiça espere, naturalmente, a cooperação da plataforma para coibir esses crimes.

Marca do Telegram - Reuters

A maioria das plataformas já toma medidas pró-ativas para combater desinformação e atividades criminosas. Já com o Telegram, a cooperação era zero. Chamados do TSE para colaborarem no combate à desinformação eleitoral, e mesmo decisões judiciais de bloqueio de contas e fornecimento de informações, foram ignorados reiteradamente. Em outros países, a mesma coisa: ignorou solenemente os pedidos da Justiça alemã para colaborar no combate a grupos neonazistas.

Os irmãos Durov, criadores do aplicativo, adotam uma filosofia libertária pura. Poder se comunicar com total privacidade, fora inclusive do alcance do Estado, era parte de seu marketing. Oferecer essa liberdade total é admirável numa ditadura que persegue dissidentes democratas. Fazer o mesmo numa democracia em que neonazistas tramam o assassinato de representantes eleitos, como ocorreu na Alemanha, já não é tão belo assim.

Uma empresa deve ter o direito de ignorar decisões judiciais brasileiras e continuar a operar livremente em nosso país? Quem disser que sim, quer a anarquia. Moraes poderia ter ido aos poucos, cobrando multas progressivas antes de partir para o tudo ou nada? Talvez. Multar usuários que furassem o bloqueio em 100 mil reais seria um absurdo? Sem dúvida. O fato é que ele optou, como de costume, pelo jogo duro.

E a jogada funcionou. Os meses de corpo mole do cessaram na hora. Agora o Telegram já indicou um representante legal em nosso país, bloqueou as contas indicadas como criminosas e se comprometeu a fornecer as informações que a Justiça demanda. Vitória da liberdade. Da liberdade real, e não da utopia libertária. Ao contrário da imaginação utópica, a ausência de Estado de Direito não leva à harmonia entre os homens, e sim ao poder do crime organizado e facções terroristas, que são, esses sim, nocivos à liberdade.

O Telegram é pequeno se comparado a outras plataformas. Conforme revelado na pesquisa BTG-Pactual desta segunda-feira (21), apenas 7% dos entrevistados usam o aplicativo para se informar sobre política (compare isso com os 42% do Youtube e 39% do Facebook). No entanto, é nele que se encontram os grupos mais radicalizados, gerando e consumindo conteúdo extremista que seria rapidamente derrubado em outras plataformas.

De uma coisa podemos ter a mais tranquila certeza: caso perca as eleições, Bolsonaro tentará desacreditar as urnas e causar tumulto, numa reedição da Invasão do Capitólio americano em janeiro de 2021. O Telegram é a ferramenta mais provável dessa mobilização. Quando e se ela acontecer, Justiça e empresa terão que agir rapidamente para defender nossa liberdade. A julgar pelo desenrolar deste fim de semana, estamos preparados.

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