Joel Pinheiro da Fonseca

Economista, mestre em filosofia pela USP.

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Joel Pinheiro da Fonseca

O Supremo e a liberdade de expressão

Entre erros e acertos, está claro que o STF reage a ataques, não os inicia

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"Esses poucos surdos de capa preta têm que entender o que é a voz do povo." Assim falou Bolsonaro em seu discurso de oficialização de candidatura em que atacou o STF e chamou para mais uma manifestação de 07 de Setembro.

O bicentenário da Independência bem merecia alguma comemoração especial e maior que a política partidária. Mas já está bem claro que o dia será marcado mesmo por passeatas de bolsonaristas usando camisas da seleção e gritando contra o STF. Mais do mesmo.

Ministros durante a sessão plenária do STF - Nelson Jr - 3.nov.21/Divulgação STF

Ao contrário do que gritaram os apoiadores no discurso do dia 24, o Supremo não é —e nem deveria ser— "o povo". Ele existe justamente para garantir a Constituição e os direitos básicos nela protegidos, independentemente dos desejos de uma massa enfurecida.

Ocorre, contudo, que mesmo nessa função de zelar pela Constituição ele tem recebido críticas, e não só de bolsonaristas.

Casos como a censura à reportagem da Crusoé que citava Toffoli em 2019 ou a manutenção da condenação ruinosa do jornalista Rubens Valente que mencionou Gilmar Mendes em seu livro. Decisões como essas realmente fazem temer pela liberdade de expressão e de imprensa e que se inscrevem no panorama maior de autoridades que usam a Justiça para jamais serem acusadas.

Mas há também a punição a discursos abertamente agressivos ou perigosos, que vêm em dois tipos:

1) mentiras deliberadas repetidas em larga escala —contra as próprias engrenagens da democracia ou contra a vida humana— na rede para enganar pessoas e alavancar projetos políticos: as urnas foram fraudadas, as mortes de covid eram falsas, a vacina mata adolescentes.

2) ameaças à vida ou à integridade física de indivíduos, que —vá lá— às vezes podem ser hiperbólicas mas que são destinadas a milhões de pessoas, inclusive fanatizados raivosos incapazes de captar as sutilezas de uma figura de linguagem e mais do que dispostos a colocar em prática o que seus líderes o motivam a fazer.

Com as redes, o poder destrutivo de discursos agressivos ou mentirosos aumentou consideravelmente. E há atores políticos que se utilizam disso. Milícias digitais —grupos formados com o intuito de financiar, produzir e difundir conteúdo caluniador e agressivo pelas redes— são, elas próprias, uma ameaça à liberdade de expressão. Que a Justiça se veja na necessidade de apertar o cerco contra esses atores é bastante razoável, ainda que trilhe uma linha perigosa.

Fachin, Barroso e Moraes já perceberam claramente que foram colocados —à revelia ou não— em uma guerra contra o governo, na qual ele ataca e cabe ao STF —e ao TSE— reagir. Moraes se esforça para parecer imparcial. Tirou das redes tanto perfis de direita quanto o do PCO, que também atacou o Supremo.

Mas a reação excessiva, que parece voltada principalmente a um dos lados (que é, de fato, de onde parte a maioria dos ataques) corrói sua legitimidade. Um site não pode ligar o PT ao PCC, baseado no depoimento (sim, pouco confiável) de Marcos Valério. Mas e ligar Bolsonaro ao assassinato de Marielle?

Ilações sempre fizeram parte do debate público —e às vezes têm um fundo de verdade. Melhor errar para o lado da liberdade do que suprimir todo discurso que seja ruim para um candidato ou partido, o que feriria seriamente a liberdade de expressão.

Entre erros e acertos, está claro que o Supremo reage a ataques, não os inicia. Essa reação pode ser por vezes exagerada ou até errada. Mas quem não lembra sempre de onde vem a agressão presta um desserviço à democracia.

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